26.1.11

A ESCRITURA SAGRADA E A REVOLUÇÃO FRANCESA

No século XVI, a Reforma, apresentando ao povo uma Bíblia aberta, procurava admissão em todos os países da Europa. Algumas nações receberam-na com alegria, como um mensageiro do Céu. Em outras terras o papado conseguiu em grande parte impedir-lhe a entrada; e a luz do conhecimento da Escritura Sagrada, com sua enobrecedora influência, foi quase totalmente excluída. Em um país, posto que a luz encontrasse entrada, não foi compreendida por causa das muitas trevas. Durante séculos a verdade e o erro lutaram pelo predomínio. Finalmente o mal triunfou e a verdade divina foi rejeitada. "Esta é a condenação, que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz." João 3:19. Permitiu-se que a nação colhesse os resultados da conduta que adoptara. A restrição do Espírito de Deus foi removida de um povo que tinha desprezado o dom de Sua graça. Consentiu-se que o mal chegasse a crescer. E todo o mundo viu os frutos da rejeição voluntária da luz.
Esta guerra contra a Escritura Sagrada, prosseguida durante tantos séculos na França, culminou nas cenas da Revolução. Aquela terrível carnificina foi apenas o resultado legítimo da supressão da Escritura por parte de Roma. Apresentou ao mundo o mais flagrante exemplo da operação dos princípios papais - exemplo dos resultados a que por mais de mil anos tendia o ensino da Igreja de Roma.
A supressão das Escrituras durante o período da supremacia papal, foi predita pelos profetas; e o Revelador (o apóstolo João) indica também os terríveis resultados que deveriam sobrevir especialmente à França pelo domínio do "homem do pecado".
Disse o anjo do Senhor: "Pisarão a santa cidade por quarenta e dois meses. E darei poder às Minhas duas Testemunhas, e profetizarão por mil, duzentos e sessenta dias, vestidas de saco. ... E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo lhes fará guerra, e os vencerá, e os matará. E jazerão seus corpos mortos na praça da grande cidade que espiritualmente se chama Sodoma e Egipto, onde o seu Senhor também foi crucificado. ... E os que habitam na Terra se regozijarão sobre eles, e se alegrarão, e mandarão presentes uns aos outros; porquanto estes dois profetas tinham atormentado os que habitam sobre a Terra. E depois daqueles três dias e meio o espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles; e puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor sobre os que os viram." Apoc. 11:2-11.
Os períodos aqui mencionados - "quarenta e dois meses" e "mil, duzentos e sessenta dias" - são o mesmo, representando igualmente o tempo em que a igreja de Cristo deveria sofrer opressão de Roma. Os 1.260 anos da supremacia papal começaram em 538 de nossa era e terminariam, portanto, em 1798. Nessa ocasião um exército francês entrou em Roma e tomou prisioneiro o papa, que morreu no exílio. Posto que logo depois fosse eleito novo papa, a hierarquia papal nunca pôde desde então exercer o poder que antes possuíra.
A perseguição da igreja não continuou durante o período todo dos 1.260 anos. Deus, em misericórdia para com Seu povo, abreviou o tempo de sua dolorosa prova. Predizendo a "grande tribulação" a sobrevir à igreja, disse o Salvador: "Se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias." Mat. 24:22. Pela influência da Reforma, a perseguição veio a termo antes de 1798.
Relativamente às duas testemunhas, declara mais o profeta: "Estas são as duas oliveiras, e os dois castiçais que estão diante do Deus de toda a Terra." "Tua Palavra", diz o salmista, "é lâmpada para meus pés, e luz para o meu caminho." Apoc. 11:4; Sal. 119:105. As duas testemunhas representam as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. Ambos são importantes testemunhas quanto à origem e perpetuidade da lei de Deus. Ambos são também testemunhas do plano da salvação. Os tipos, sacrifícios e profecias do Antigo Testamento apontam para um Salvador por vir. Os evangelhos e as epístolas do Novo Testamento falam acerca de um Salvador que veio exactamente da maneira predita pelos tipos e profecias.
"Profetizarão por mil, duzentos e sessenta dias, vestidas de saco." Durante a maior parte deste período, as testemunhas de Deus permaneceram em estado de obscuridade. O poder papal procurava ocultar do povo a Palavra da verdade e colocar diante dele testemunhas falsas para contradizerem o testemunho daquela. Quando a Bíblia foi proscrita pela autoridade religiosa e secular; quando seu testemunho foi pervertido, fazendo homens e demónios todos os esforços para descobrir como desviar da mesma o espírito do povo; quando os que ousavam proclamar suas sagradas verdades eram perseguidos, traídos, torturados, sepultados nas celas das masmorras, martirizados por sua fé, ou obrigados a fugir para a fortaleza das montanhas e para as covas e cavernas da Terra - então profetizavam as fiéis testemunhas vestidas de saco. Contudo, continuaram com seu testemunho por todo o período de 1.260 anos. Nos mais obscuros tempos houve fiéis que amavam a Palavra de Deus e eram ciosos de Sua honra. A esses fiéis servos foram dados sabedoria, autoridade e poder para anunciar Sua verdade durante aquele tempo todo.
"Se alguém lhes quiser fazer mal, fogo sairá da sua boca e devorará os seus inimigos; e, se alguém lhes quiser fazer mal, importa que assim seja morto." Os homens não poderão impunemente espezinhar a Palavra de Deus. O sentido desta terrível declaração é apresentado no capítulo final do Apocalipse: "Eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão escritas neste livro." Apoc. 11:5; 22:18 e 19.
Estas são as advertências que Deus deu para guardar os homens de mudar de qualquer maneira o que revelou ou ordenou. Essas solenes declarações de castigo se aplicam a todos os que por sua influência levam os homens a considerar levianamente a lei de Deus. Deveriam fazer tremer aos que declaram ser de pouca importância obedecer ou não à lei de Deus. Todos os que exaltem suas próprias opiniões acima da revelação divina, todos os que mudem o sentido claro das Escrituras para acomodá-lo à sua própria conveniência, ou pelo motivo de se conformar com o mundo, estão a trazer sobre si terrível responsabilidade. A Palavra escrita, a lei de Deus, aferirá o carácter de todo homem, e condenará a todos a quem esta infalível prova declarar em falta.
"Quando acabarem [estiverem acabando] seu testemunho." O período em que as duas testemunhas deveriam profetizar vestidas de saco, finalizou-se em 1798. Aproximando-se elas do termo de sua obra em obscuridade, deveria fazer guerra contra elas o poder representado pela "besta que sobe do abismo". Em muitas das nações da Europa os poderes que governaram na Igreja e no Estado foram durante séculos dirigidos por Satanás, por intermédio do papado. Aqui, porém, se faz referência a uma nova manifestação do poder satânico.
Fora a política de Roma, sob profissão de reverência para com a Bíblia, conservá-la encerrada numa língua desconhecida, ocultando-a do povo. Sob seu domínio as testemunhas profetizaram "vestidas de saco". Mas um outro poder - a besta do abismo - deveria surgir para fazer guerra aberta e declarada contra a Palavra de Deus.
A "grande cidade" em cujas ruas as testemunhas foram mortas, e onde seus corpos mortos jazeram, é "espiritualmente" o Egipto. De todas as nações apresentadas na história bíblica, o Egipto, de maneira mais ousada, negou a existência do Deus vivo e resistiu aos Seus preceitos. Nenhum monarca já se aventurou a rebelião mais aberta e arrogante contra a autoridade do Céu do que o fez o rei do Egipto. Quando, em nome do Senhor, a mensagem lhe fora levada por Moisés, Faraó orgulhosamente, respondeu: "Quem é o Senhor cuja voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir Israel." Êxo. 5:2. Isto é ateísmo; e a nação representada pelo Egipto daria expressão a uma negação idêntica às reivindicações do Deus vivo, e manifestaria idêntico espírito de incredulidade e desafio.

O MAIS SAGRADO DIREITO DO HOMEM

Os reformadores ingleses, conquanto renunciassem às doutrinas do catolicismo, retiveram muitas de suas formas. Assim, posto que rejeitados a autoridade e o credo de Roma, não poucos de seus costumes e cerimónias foram incorporados ao culto da Igreja Anglicana. Alegava-se que essas coisas não constituíam questões de consciência, e que, embora não ordenadas nas Escrituras, e portanto não essenciais, não eram más em si mesmas, vistas não serem proibidas. Sua observância tendia a diminuir o abismo que separava de Roma as igrejas reformadas, e insistia-se que promoveriam a aceitação da fé protestante pelos romanistas.
Aos conservadores e condescendentes, pareciam decisivos estes argumentos. Havia, porém, outra classe que assim não pensava. O fato de que esses costumes "tendiam a lançar uma ponte sobre o abismo entre Roma e a Reforma" (Martyn), era em sua opinião um argumento conclusivo contra o retê-los. Olhavam para eles como distintivos da escravidão de que haviam sido libertados, e para a qual não se sentiam dispostos a voltar. Raciocinavam que Deus, em Sua Palavra, estabeleceu regras para ordenar o Seu culto, e que os homens não estão na liberdade de acrescentar a essas regras ou delas tirar qualquer coisa. O princípio mesmo da grande apostasia consistiu em procurar fazer da autoridade da igreja um suplemento da autoridade de Deus. Roma começou por ordenar o que Deus não tinha proibido, e acabou por proibir o que Ele havia explicitamente ordenado.
Muitos desejavam fervorosamente voltar à pureza e simplicidade que caracterizavam a igreja primitiva. Consideravam muitos dos costumes estabelecidos pela Igreja Anglicana como monumentos da idolatria, e não podiam conscienciosamente unir-se a seu culto. Mas a igreja, apoiada pela autoridade civil, não permitia opiniões contrárias às suas formas. A assistência aos seus cultos era exigida por lei, e proibiam-se as assembleias para culto que não tivessem autorização, sob pena de encarceramento, exílio e morte.
No início do século XVII, o monarca que acabara de subir ao trono da Inglaterra declarou sua decisão de fazer com que os puritanos "se conformassem ou ... oprimi-los-ia para saírem do país, ou faria coisa pior". - História dos Estados Unidos da América, George Bancroft. Perseguidos e aprisionados, não podiam divisar no futuro vislumbres de melhores dias, e muitos chegaram à convicção de que, para os que quisessem servir a Deus segundo os ditames de sua consciência, "a Inglaterra estava deixando de ser para sempre um lugar habitável". - História da Nova Inglaterra, J. G. Palfrey. Alguns resolveram, por fim, buscar refúgio na Holanda. Encararam dificuldades, prejuízos e prisão. Seus intuitos foram contrariados, e eles entregues às mãos de seus inimigos. Mas a inabalável perseverança venceu finalmente, e encontraram abrigo nas praias amigas da república holandesa.
Em sua fuga deixaram casas, bens e meios de vida. Eram estrangeiros em terra estranha, entre um povo de língua e costumes diferentes. Foram obrigados a recorrer a ocupações novas e a que não estavam afeitos, a fim de ganhar o pão. Homens de meia-idade, que haviam empregado a vida no cultivo do solo, tiveram agora de aprender ofícios mecânicos. Animadamente, porém, enfrentaram a situação, e não perderam tempo em ociosidade ou murmurações. Posto que muitas vezes premidos pela pobreza, agradeciam a Deus as bênçãos que ainda lhes eram concedidas, e encontravam alegria na tranqüila comunhão espiritual. "Sabiam que eram peregrinos, e não olhavam muito para essas coisas, mas levantavam os olhos ao Céu, seu mais caro país, e acalmavam o espírito." - Bancroft.
Em meio de exílio e dificuldades, cresciam o amor e a fé. Confiavam nas promessas do Senhor, e Ele não faltava com elas no tempo de necessidade. Seus anjos estavam a seu lado, para animá-los e ampará-los. E, quando a mão de Deus pareceu apontar-lhes através do mar uma terra em que poderiam fundar para si um Estado e deixar a seus filhos o precioso legado da liberdade religiosa, seguiram eles, sem se arrecear, pela senda da Providência.
Deus permitira que viessem provações a Seu povo a fim de prepará-lo para o cumprimento de Seu misericordioso propósito em relação a ele. A igreja sofrera humilhações, para que pudesse ser exaltada. Deus estava a ponto de ostentar o Seu poder em favor dela, para dar ao mundo outra prova de que não abandonará os que nEle confiam. Dispusera os acontecimentos de maneira a fazer com que a ira de Satanás e as tramas de homens maus promovessem a Sua glória e levassem Seu povo a um lugar de segurança. A perseguição e o exílio estavam abrindo o caminho para a liberdade.
Quando constrangidos pela primeira vez a separar-se da Igreja Anglicana, os puritanos se uniram em solene concerto, como o povo livre do Senhor, "para andarem juntos em todos os Seus caminhos, por eles conhecidos ou a serem conhecidos". - Os Pais Peregrinos, J. Brown. Ali estava o verdadeiro espírito da Reforma, o princípio vital do protestantismo. Foi com este intuito que os peregrinos partiram da Holanda para buscar um lar no Novo Mundo. João Robinson, seu pastor, que providencialmente foi impedido de os acompanhar, em sua mensagem de despedida aos exilados, disse:
"Irmãos: Em breve havemos de separar-nos, e só o Senhor sabe se viverei para que de novo veja o vosso rosto. Mas, seja qual for a divina vontade, conjuro-vos perante Deus e Seus santos anjos que não me sigais além do que eu haja seguido a Cristo. Se Deus vos revelar algo mediante qualquer outro instrumento Seu, sede tão prontos para recebê-lo como sempre fostes para acolher qualquer verdade por intermédio de meu ministério; pois estou seguro de que o Senhor tem mais verdade e luz, a irradiar de Sua Palavra." - Martyn.
"De minha parte, não posso deplorar suficientemente a condição das igrejas reformadas, que, em religião, chegaram a um período estacionário, e não irão agora mais longe do que os instrumentos de sua reforma. Os luteranos não poderão ser arrastados a ir além do que Lutero viu; ... e os calvinistas, vós os vedes, estacam onde foram deixados por aquele grande homem de Deus, que não vira contudo todas as coisas. Esta é uma calamidade muito para se lamentar; pois, embora fossem luzes a arder e brilhar em seu tempo, não penetraram em todo o conselho de Deus; mas, se vivessem hoje, estariam tão dispostos a receber mais luz como o estiveram para aceitar a que a princípio acolheram." - História dos Puritanos, D. Neal.
"Lembrai-vos de vosso concerto com a igreja, no qual concordastes em andar em todos os caminhos do Senhor, já revelados ou por serem ainda revelados. Lembrai-vos de vossa promessa e concerto com Deus, e de uns com os outros, de aceitar qualquer luz e verdade que se vos fizesse conhecida pela Palavra escrita; mas, além disso, tende cuidado, eu vos rogo, com o que recebeis por verdade, e comparai-o, pesai-o com outros textos da verdade antes de o aceitar; pois não é possível que o mundo cristão, depois de haver por tanto tempo permanecido em tão densas trevas anticristãs, obtivesse de pronto um conhecimento perfeito em todas as coisas." - Martyn.

23.1.11

UMA ESPERANÇA QUE INFUNDE ALEGRIA

Lisboa antes do terramoto.
Uma das verdades mais solenes, e não obstante mais gloriosas, reveladas na Escritura Sagrada, é a da segunda vinda de Cristo, para completar a grande obra da redenção. Ao povo de Deus, por tanto tempo a peregrinar em sua jornada na "região e sombra da morte" (Mat. 4:16), é dada uma esperança preciosa e inspiradora de alegria, na promessa do aparecimento dAquele que é "a ressurreição e a vida" (João 11:25), a fim de levar de novo ao lar Seus filhos exilados. A doutrina do segundo advento é, verdadeiramente, a nota tónica das Sagradas Escrituras. Desde o dia em que o primeiro par volveu os entristecidos passos para fora do Éden, os filhos da fé têm esperado a vinda do Prometido, para quebrar o poder do destruidor e de novo levá-los ao Paraíso perdido. Santos homens de outrora aguardavam o advento do Messias em glória, para a consumação de sua esperança. Enoque, apenas o sétimo na descendência dos que habitaram no Éden, e que na Terra durante três séculos andou com Deus, teve permissão para contemplar de muito longe a vinda do Libertador. "Eis que é vindo o Senhor", declarou ele, "com milhares de Seus santos, para fazer juízo contra todos." Jud. 14 e 15. O patriarca Jó, na noite de sua aflição, exclamou com inabalável confiança: "Eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim Se levantará sobre a Terra. ... Ainda em minha carne verei a Deus. Vê-Lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, O verão." Jó 19:25-27.
A vinda de Cristo, para inaugurar o reino de justiça, tem inspirado as mais sublimes e exaltadas declarações dos escritores sagrados. Os poetas e videntes da Bíblia dela trataram com palavras incendiadas de fogo celestial. O salmista cantou do poder e majestade do Rei de Israel: "Desde Sião, a perfeição da formosura, resplandeceu Deus. Virá o nosso Deus, e não Se calará. ... Chamará os céus, do alto, e a Terra, para julgar o Seu povo." Sal. 50:2-4. "Alegrem-se os céus, e regozije-se a Terra: ... ante a face do Senhor, porque vem, porque vem a julgar a Terra: julgará o mundo com justiça, e os povos com a Sua verdade." Sal. 96:11-13.
Disse o profeta Isaías: "Despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos." "Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão." "Aniquilará a morte para sempre, e assim enxugará o Senhor Jeová as lágrimas de todos os rostos, e tirará o opróbrio do Seu povo de toda a Terra; porque o Senhor o disse. E, naquele dia se dirá: Eis que este é o nosso Deus, a quem aguardávamos, e Ele nos salvará; este é o Senhor, a quem aguardávamos; na Sua salvação gozaremos e nos alegraremos." Isa. 26:19; 25:8 e 9.
E Habacuque, transportado em santa visão, contemplou Seu aparecimento. "Deus veio de Temã e o Santo do monte de Parã. A Sua glória cobriu os céus, e a Terra encheu-se de Seu louvor. E o Seu resplendor era como a luz." "Parou, e mediu a Terra; olhou, e separou as nações; e os montes perpétuos foram esmiuçados, os outeiros eternos se encurvaram; o andar eterno é Seu." "Andaste sobre Teus cavalos, e Teus carros de salvação." "Os montes Te viram, e tremeram: ... deu o abismo a sua voz, levantou as suas mãos ao alto. O Sol e a Lua pararam nas suas moradas; andaram à luz das Tuas frechas, ao resplendor do relâmpago da Tua lança." "Tu saíste para salvamento do teu povo, para salvamento do Teu Ungido." Hab. 3:3-13.
Quando o Salvador estava prestes a separar-Se de Seus discípulos, confortou-os em sua tristeza com a segurança de que viria outra vez: "Não se turbe o vosso coração. ... Na casa de Meu Pai há muitas moradas. ... Vou preparar-vos lugar. E, se Eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para Mim mesmo." João 14:1-3. "E quando o Filho do homem vier em Sua glória, e todos os santos anjos com Ele, então Se assentará no trono de Sua glória. E todas as nações serão reunidas diante dEle." Mat. 25:31 e 32.
Os anjos que por momentos se detiveram no Monte das Oliveiras depois da ascensão de Cristo, repetiram aos discípulos a promessa de Sua volta: "Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no Céu, há de vir assim como para o Céu O vistes ir." Atos 1:11. E o apóstolo Paulo, falando pelo Espírito de inspiração, testificou: "O mesmo Senhor descerá do Céu com alarido, e com voz de Arcanjo, e com a trombeta de Deus." I Tess. 4:16. Diz o profeta de Patmos: "Eis que Ele vem com as nuvens, e todo o olho O verá." Apoc. 1:7.
Em torno de Sua vinda agrupam-se as glórias daquela "restauração de tudo", de que "Deus falou pela boca de todos os Seus santos profetas desde o princípio". Atos 3:21. Quebrar-se-á então o prolongado domínio do mal; "os reinos do mundo" tornar-se-ão "de nosso Senhor e de Seu Cristo, e Ele reinará para todo o sempre". Apoc. 11:15. "A glória do Senhor se manifestará", e toda carne juntamente a verá. "O Senhor Jeová fará brotar a justiça e o louvor para todas as nações." Ele será por "coroa gloriosa, e por grinalda formosa, para os restantes de Seu povo". Isa. 40:5; 61:11; 28:5.
É então que o pacífico e longamente almejado reino do Messias se estabelecerá sob todo o céu. "O Senhor consolará a Sião; consolará a todos os seus lugares assolados, e fará os seus desertos como o Éden, e a sua solidão como o jardim do Senhor." "A glória do Líbano se lhe deu, a excelência do Carmelo e Sarom." "Nunca mais te chamarão: Desamparada, nem à tua terra se denominará jamais: Assolada; mas chamar-te-ão: Meu deleite; e à tua terra: Beulá." "Como o noivo se alegra da noiva, assim Se alegrará de ti o teu Deus." Isa. 51:3; 35:2; 62:4 e 5.
A vinda do Senhor tem sido em todos os séculos a esperança de Seus verdadeiros seguidores. A última promessa do Salvador no Monte das Oliveiras, de que Ele viria outra vez, iluminou o futuro a Seus discípulos, encheu-lhes o coração de alegria e esperança que as tristezas não poderiam apagar nem as provações empanar. Em meio de sofrimento e perseguição, "o aparecimento do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo" foi a "bem-aventurada esperança". Quando os cristãos tessalonicenses estavam cheios de pesar ao sepultarem os seus queridos, que haviam esperado viver para testemunharem a vinda de Jesus, Paulo, seu instrutor, apontou-lhes a ressurreição a ocorrer por ocasião do advento do Salvador. Então os mortos em Cristo ressurgiriam, e juntamente com os vivos seriam arrebatados para encontrar o Senhor nos ares. "E assim", disse ele, "estaremos sempre com o Senhor. Portanto consolai-vos uns aos outros com estas palavras." I Tess. 4:16-18.
Na rochosa ilha de Patmos o discípulo amado ouve a promessa: "Certamente cedo venho", e em sua anelante resposta sintetiza a prece da igreja em toda a sua peregrinação: "Amém. Ora vem, Senhor Jesus." Apoc. 22:20.
Do calabouço, da tortura, da forca, onde santos e mártires testificaram da verdade, vem através dos séculos a voz de sua fé e esperança. Estando "certos da ressurreição pessoal de Cristo e, por conseguinte, de sua própria, por ocasião da vinda de Jesus", diz um desses cristãos, "desprezavam a morte, e verificava-se estarem acima dela". - O Reino de Cristo Sobre a Terra, ou A Voz da Igreja em Todos os Séculos, Daniel T. Taylor. Estavam dispostos a descer ao túmulo, para que pudessem "ressuscitar livres". - A Voz da Igreja, Taylor. Esperavam pelo "Senhor a vir do Céu, nas nuvens, com a glória de Seu Pai", "trazendo aos justos os tempos do reino." Os valdenses acariciavam a mesma fé. - Taylor. Wycliffe aguardava o aparecimento do Redentor, como a esperança da igreja. - Ibidem.
Lutero declarou: "Convenço-me, em verdade, de que o dia do juízo não está para além de trezentos anos. Deus não quer, não pode suportar por muito tempo mais este ímpio mundo." "Aproxima-se o grande dia, em que se subverterá o rei da abominação." - Ibidem.
"Este velho mundo não está longe de seu fim", disse Melâncton. Calvino manda aos cristãos "não hesitarem, desejando ardentemente o dia da vinda de Cristo como o mais auspicioso de todos os acontecimentos"; e declara que "a família inteira dos fiéis conservará em vista aquele dia". "Devemos ter fome de Cristo, devemos buscá-Lo, contemplá-Lo", diz ele "até à aurora daquele grande dia, em que o nosso Senhor amplamente manifestará a glória do Seu Reino." - Ibidem.
Ruínas do terramoto de 1755
"Não levou nosso Senhor Jesus nossa carne para o Céu?" disse Knox, o reformador escocês, "e não voltará Ele? Sabemos que voltará, e isso dentro em breve". Ridley e Latimer, que depuseram a vida pela verdade, esperaram pela fé a vinda do Senhor. Ridley escreveu: "O mundo, creio-o eu e portanto o digo, chegará sem dúvida ao fim. De coração clamemos com João, o servo de Deus, a Cristo nosso Salvador: Vem, Senhor Jesus, vem." - Ibidem.
"Os pensamentos que se relacionam com a vinda do Senhor", disse Baxter, "são dulcíssimos e mui gozosos para mim." - Obras, Richard Baxter. "É a obra da fé, e do caráter de Seus santos, amar Seu aparecimento e aguardar o cumprimento da bem-aventurada esperança." "Se a morte é o último inimigo a ser destruído na ressurreição, podemos saber quão fervorosamente deveriam os crentes anelar a segunda vinda de Cristo e por ela orar, sendo então que tal vitória, ampla e final, será alcançada." - Ibidem. "Este é o dia que todos os crentes devem almejar, esperar e aguardar, como cumprimento de toda a obra de sua redenção, e de todos os desejos e esforços de sua alma." "Apressa, ó Senhor, este bem-aventurado dia!" - Baxter. Esta foi a esperança da igreja apostólica, da "igreja no deserto", e dos reformadores.
A profecia não somente prediz a maneira e objetivo da vinda de Cristo, mas apresenta sinais pelos quais os homens podem saber quando a mesma está próxima. Disse Jesus: "Haverá sinais no Sol, na Lua, e nas estrelas." Luc. 21:25. "O Sol escurecerá, e a Lua não dará a sua luz. E as estrelas cairão do céu, e as forças que estão no céu serão abaladas. E então verão vir o Filho do homem nas nuvens, com grande poder e glória." Mar. 13:24-26. O profeta do Apocalipse assim descreve o primeiro dos sinais que precedem o segundo advento: "Houve um grande tremor de terra; e o Sol tornou-se negro como saco de cilício, e a Lua tornou-se como sangue." Apoc. 6:12.
Estes sinais foram testemunhados antes do início do século XIX. Em cumprimento desta profecia ocorreu no ano 1755 o mais terrível terramoto que já se registou. Posto que geralmente conhecido por terramoto de Lisboa, estendeu-se pela maior parte da Europa, África e América do Norte. Foi sentido na Groenlândia, nas Índias Ocidentais, na Ilha da Madeira, na Noruega e Suécia, Grã-Bretanha e Irlanda. Abrangeu uma extensão de mais de dez milhões de quilómetros quadrados. Na África, o choque foi quase tão violento como na Europa. Grande parte da Argélia foi destruída; e, a pequena distância de Marrocos, foi tragada uma aldeia de oito ou dez mil habitantes. Uma vasta onda varreu a costa da Espanha e da África, submergindo cidades, e causando grande destruição.
Foi na Espanha e Portugal que o choque atingiu a maior violência. Diz-se que em Cádiz a ressaca alcançou a altura de vinte metros. Montanhas, "algumas das maiores de Portugal, foram impetuosamente sacudidas, como que até aos fundamentos; e algumas delas se abriram nos cumes, os quais se partiram e rasgaram de modo maravilhoso, sendo delas arrojadas imensas massas para os vales adjacentes. Diz-se terem saído chamas dessas montanhas". - Princípios de Geologia, Sir Charles Lyell.
Em Lisboa, "um som como de trovão foi ouvido sob o solo e imediatamente depois violento choque derribou a maior parte da cidade. No lapso de mais ou menos seis minutos, pereceram sessenta mil pessoas. O mar a princípio se retirou, deixando seca a barra; voltou então, levantando-se doze metros ou mais acima de seu nível comum". "Entre outros acontecimentos extraordinários que se refere terem ocorrido em Lisboa durante a catástrofe, esteve o soçobro do novo cais, construído inteiramente de mármore, com vultosa despesa. Grande número de pessoas ali se ajuntara em busca de segurança, sendo um local em que poderiam estar fora do alcance das ruínas que tombavam; subitamente, porém, o cais afundou com todo o povo sobre ele, e nenhum dos cadáveres jamais flutuou na superfície." - Lyell.
"O choque" do terramoto "foi instantaneamente seguido da queda de todas as igrejas e conventos, de quase todos os grandes edifícios públicos, e de mais da quarta parte das casas. Duas horas depois, aproximadamente, irromperam incêndios em diferentes quarteirões, e com tal violência se alastraram pelo espaço de quase três dias, que a cidade ficou completamente desolada. O terramoto ocorreu num dia santo, em que as igrejas e conventos estavam repletos de gente, muito pouca da qual escapou." - Enciclopédia Americana, art. Lisboa. "O terror do povo foi indescritível. Ninguém chorava; estava além das lágrimas. Corriam para aqui e para acolá, em delírio, com horror e espanto, batendo no rosto e no peito, exclamando: 'Misericórdia! é o fim do mundo!' Mães esqueciam-se de seus filhos e corriam para qualquer parte, carregando crucifixos. Infelizmente, muitos corriam para as igrejas em busca de proteção; mas em vão foi exposto o sacramento; em vão as pobres criaturas abraçaram os altares; imagens, padres e povo foram sepultados na ruína comum." Calculou-se que noventa mil pessoas perderam a vida naquele dia fatal.
Vinte e cinco anos mais tarde apareceu o sinal seguinte mencionado na profecia - o escurecimento do Sol e da Lua. O que tornou isto mais surpreendente foi o fato de que o tempo de seu cumprimento fora definidamente indicado. Na palestra do Salvador com Seus discípulos, no Monte das Oliveiras, depois de descrever o longo período de provação da igreja - os 1.260 anos da perseguição papal, relativamente aos quais prometera Ele ser abreviada a tribulação - mencionou Jesus certos acontecimentos que precederiam Sua vinda, e fixou o tempo em que o primeiro destes deveria ser testemunhado: "Naqueles dias, depois daquela aflição, o Sol se escurecerá, e a Lua não dará a sua luz." Mar. 13:24. Os 1.260 dias, ou anos, terminaram em 1798. Um quarto de século antes, a perseguição tinha cessado quase inteiramente. Em seguida a esta perseguição, segundo as palavras de Cristo, o Sol deveria escurecer-se. A 19 de maio de 1780 cumpriu-se esta profecia.
"Único ou quase único em sua espécie pelo misterioso e até agora inexplicado fenômeno que nele se verificou ... foi o dia escuro de 19 de maio de 1780 - de inexplicável escuridão que cobriu todo o céu e atmosfera visíveis em Nova Inglaterra." - Nosso Primeiro Século, R. M. Devens.
Uma testemunha ocular que vivia em Massachusetts, nestes termos descreve o acontecimento:
"Pela manhã surgiu claro o Sol, mas logo se ocultou. As nuvens se tornaram sombrias e delas, negras e ameaçadoras como logo se mostraram, chamejavam relâmpagos; ribombavam trovões, caindo leve aguaceiro. Por volta das nove horas, as nuvens se tornaram mais finas, tomando uma aparência bronzeada ou acobreada, e a terra, pedras, árvores, edifícios, água e as pessoas tinham aspecto diferente por causa dessa estranha luz sobrenatural. Alguns minutos mais tarde, pesada nuvem negra se espalhou por todo o céu, exceto numa estreita orla do horizonte, e ficou tão escuro como usualmente é às nove horas de uma noite de verão. ...
"Temor, ansiedade e pavor encheram gradualmente o espírito do povo. Mulheres ficavam à porta olhando para a negra paisagem; os homens voltavam de seus labores nos campos; o carpinteiro deixava as suas ferramentas, o ferreiro a forja, o negociante o balcão. As aulas eram suspensas, e as crianças, tremendo, fugiam para casa. Os viajantes acolhiam-se à fazenda mais próxima. 'O que será?' inquiriam todos os lábios e corações. Dir-se-ia que um furacão estivesse prestes a precipitar-se sobre o país, ou fosse o dia da consumação de todas as coisas.
"Acenderam-se velas, e o fogo na lareira brilhava tanto como em noite de outono sem luar. ... As aves retiravam-se para os poleiros e iam dormir; o gado ajuntava-se no estábulo e berrava; as rãs coaxavam; os pássaros entoavam seus gorjeios vespertinos; e os morcegos voavam em redor. Mas os seres humanos sabiam que não era vinda a noite. ...
"O Dr. Natanael Whittaker, pastor da igreja do Tabernáculo, em Salém, dirigia cerimónias religiosas na casa de culto e pregava um sermão no qual sustentou que as trevas eram sobrenaturais. Reuniram-se congregações em muitos outros lugares. Os textos para esses sermões extemporâneos eram invariavelmente os que pareciam indicar as trevas de acordo com a profecia bíblica. ... As trevas foram densíssimas logo depois das onze horas." - The Essex Antiquarian, Salém, Mass., abril de 1899. "Na maioria dos lugares do país foram tão grandes durante o dia, que as pessoas não podiam dizer a hora, quer pelo relógio de bolso quer pelo de parede, nem jantar, nem efetuar suas obrigações domésticas, sem a luz de velas. ...
"A extensão dessas trevas foi extraordinária. Observaram-se na parte oriental até Falmouth. Para o oeste, atingiram a parte mais remota de Connecticut e Albany. Para o sul foram observadas ao longo das costas, e ao norte até onde se estende a colonização americana." - História do Início, Progressos e Estabelecimento da Independência dos Estados Unidos, Dr. William Gordon.
Seguiu-se às intensas trevas daquele dia, uma ou duas horas, antes da noite, um céu parcialmente claro, e apareceu o Sol, posto que ainda obscurecido por negro e pesado nevoeiro. "Depois do pôr-do-sol, as nuvens novamente subiram, e escureceu muito rapidamente." "Tampouco foram as trevas da noite menos incomuns e aterrorizadoras do que as do dia; não obstante haver quase lua cheia, nenhum objeto se distinguia a não ser com o auxílio de alguma luz artificial, que, quando vista das casas vizinhas ou de outros lugares a certa distância, aparecia através de uma espécie de trevas egípcias, que se afiguravam quase impermeáveis aos raios." - Massachusetts Spy, ou Oráculo Americano da Liberdade, Thomas. Disse uma testemunha ocular daquela cena: "Não pude senão concluir, naquela ocasião que, se todos os corpos luminosos do Universo tivessem sido envoltos em sombras impenetráveis, ou arrancados da existência, as trevas não teriam sido mais completas." - Carta pelo Dr. Samuel Tenney, de Exeter, N. H., dezembro de 1785. Posto que às nove horas daquela noite a Lua surgisse cheia, "não produziu o mínimo efeito em relação àquelas sombras sepulcrais". Depois de meia-noite as trevas se desvaneceram, e a Lua, ao tornar-se visível, tinha a aparência de sangue.
O dia 19 de maio de 1780 figura na História como "o Dia Escuro". Desde o tempo de Moisés, nenhum período de trevas de igual densidade, extensão e duração, já se registou. A descrição deste acontecimento, como a dá uma testemunha ocular, não é senão um eco das palavras do Senhor, registadas pelo profeta Joel, dois mil e quinhentos anos antes de seu cumprimento: "O Sol se converterá em trevas, e a Lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor." Joel 2:31.
Cristo ordenara a Seu povo que atendesse aos sinais de seu advento e se regozijasse ao contemplar os indícios de seu vindouro Rei. "Quando estas coisas começarem a acontecer", disse Ele, "olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima." Ele indicou a Seus seguidores as árvores a brotarem na primavera, e disse: "Quando já têm rebentado, vós sabeis por vós mesmos, vendo-as, que perto está já o verão. Assim também vós, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o reino de Deus está perto." Luc. 21:28, 30 e 31.
Mas como o espírito de humildade e devoção na igreja cedera lugar ao orgulho e formalismo, esfriaram o amor a Cristo e a fé em Sua vinda. Absorto nas coisas mundanas e na busca de prazeres, o povo professo de Deus estava cego às instruções do Salvador relativas aos sinais de Seu aparecimento. A doutrina do segundo advento tinha sido negligenciada; os textos que a ela se referem foram obscurecidos por interpretações errôneas, a ponto de ficarem em grande parte esquecidos e ignorados. Especialmente foi este o caso nas igrejas da América do Norte. A liberdade e conforto desfrutados por todas as classes da sociedade; o ambicioso desejo de haveres e luxo, de onde vem o absorvente empenho de adquirir dinheiro; a ansiosa procura de popularidade e poderio, que pareciam estar ao alcance de todos, levavam os homens a centralizar seus interesses e esperanças nas coisas desta vida, afastando ao futuro longínquo o dia solene em que passaria a presente ordem de coisas.
Quando o Salvador indicou a Seus seguidores os sinais de Sua volta, predisse o estado de apostasia que havia de existir precisamente antes de Seu segundo advento. Haveria, como nos dias de Noé, a atividade e a agitação das ocupações mundanas e da procura de prazeres - comprar, vender, plantar, edificar, casar, dar-se em casamento - com olvido de Deus e da vida futura. Para os que viverem nesse tempo, a advertência de Cristo é: "Olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia." "Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer e de estar em pé diante do Filho do homem." Luc. 21:34 e 36.
A condição da igreja neste tempo é indicada nas palavras do Salvador, em Apocalipse: "Tens nome de que vives, e estás morto." E aos que se recusam despertar de seu descuidoso sentimento de segurança, é dirigido este aviso solene: "Se não vigiares, virei a ti como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei." Apoc. 3:1 e 3.
Era necessário que os homens fossem advertidos do perigo; que se despertassem a fim de preparar-se para os acontecimentos solenes ligados ao final do tempo da graça. Declara o profeta de Deus: "O dia do Senhor é grande e mui terrível e quem o poderá sofrer?" Quem estará em pé quando aparecer Aquele que é tão puro de olhos que não pode ver o mal, e não pode contemplar a vexação?" Joel 2:11; Hab. 1:13. Para os que clamam: "Deus meu! nós ... Te conhecemos", e não obstante têm trespassado Seu concerto, e se apressaram após outro deus (Osé. 8:2 e 1; Sal. 16:4), ocultando a iniquidade no coração e amando os caminhos da injustiça, para esses o dia do Senhor são trevas e não luz, "completa escuridade, sem nenhum resplendor". Amós 5:20. "E há de ser que naquele tempo", diz o Senhor, "esquadrinharei a Jerusalém com lanternas e castigarei os homens que estão assentados sobre as suas fezes, que dizem no seu coração: O Senhor não faz bem nem mal." Sof. 1:12. "Visitarei sobre o mundo a maldade, e sobre os ímpios a sua iniquidade; e farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos tiranos." Isa. 13:11. "Nem a sua prata nem o seu ouro os poderá livrar"; "será saqueada a sua fazenda, e assoladas as suas casas." Sof. 1:18 e 13.
O profeta Jeremias, prevendo esse tempo terrível, exclamou: "Estou ferido no meu coração!" "Não posso calar; porque tu, ó minha alma, ouviste o som da trombeta e o alarido da guerra. Quebranto sobre quebranto se apregoa." Jer. 4:19 e 20.
"Aquele dia é um dia de indignação, dia de angústia e de ânsia, dia de alvoroço e desolação, dia de trevas e de escuridão, dia de nuvens e de densas trevas, dia de trombeta e de alarido." Sof. 1:15 e 16. "Eis que o dia do Senhor vem, ... para pôr a Terra em assolação e destruir os pecadores dela." Isa. 13:9.
Ante a perspectiva desse grande dia, a Palavra de Deus, com expressões as mais solenes e impressivas, apela para Seu povo a fim de que desperte da letargia espiritual e busque Sua face, com arrependimento e humilhação: "Tocai a buzina em Sião, e clamai em alta voz no monte da Minha santidade. Perturbem-se todos os moradores da Terra, porque o dia do Senhor vem, ele está perto." "Santificai um jejum, proclamai um dia de proibição. Congregai o povo, santificai a congregação, ajuntai os anciãos, congregai os filhinhos, ... saia o noivo da sua recâmara, e a noiva do seu tálamo. Chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, entre o alpendre e o altar."
"Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, e com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos, e convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque Ele é misericordioso, compassivo, e tardio em irar-Se, e grande em beneficência." Joel 2:1, 15-17, 12 e 13.
A fim de preparar um povo para estar em pé no dia de Deus, deveria realizar-se uma grande obra de reforma. Deus viu que muitos dentre Seu povo professo não estavam edificando para a eternidade, e em Sua misericórdia estava prestes a enviar uma mensagem de advertência a fim de despertá-los de seu torpor e levá-los a preparar-se para a vinda de Jesus.
Esta advertência, temo-la em Apocalipse 14. Apresenta-se-nos ali uma tríplice mensagem como sendo proclamada por seres celestiais, e imediatamente seguida pela vinda do Filho do homem para recolher a colheita da Terra. A primeira dessas advertências anuncia o juízo que se aproxima. O profeta contempla um anjo voando pelo meio do céu, tendo o "evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a Terra, e a toda a nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo com grande voz: Temei a Deus, e dai-Lhe glória; porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez o Céu e a Terra, e o mar, e as fontes das águas." Apoc. 14:6 e 7.
Declara-se que esta mensagem é parte integrante do "evangelho eterno". A obra de pregar o evangelho não foi cometida aos anjos, mas confiada aos homens. Santos anjos têm sido empregados na direção desta obra; têm eles a seu cargo os grandes movimentos para a salvação dos homens; mas a proclamação do evangelho propriamente dita é efetuada pelos servos de Cristo sobre a Terra.
Homens fiéis, que eram obedientes aos impulsos do Espírito de Deus e aos ensinos de Sua Palavra, deveriam proclamar esta advertência ao mundo. Eram eles os que haviam atendido à mui firme "palavra dos profetas", à "luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça". II Ped. 1:19. Tinham estado a buscar o conhecimento de Deus, mais do que a todos os tesouros escondidos, considerando-o "melhor do que a mercadoria de prata, e a sua renda do que o ouro mais fino". Prov. 3:14. E Deus lhes revelou as grandes coisas do reino. "O segredo do Senhor é para os que O temem; e Ele lhes fará saber o Seu concerto." Sal. 25:14.
Não foram os ilustrados teólogos que tiveram compreensão desta verdade e se empenharam em proclamá-la. Houvessem eles sido vigias fiéis, pesquisando as Escrituras com diligência e oração, e teriam conhecido o tempo da noite; as profecias ter-lhes-iam patenteado os acontecimentos prestes a ocorrer. Eles, porém, não assumiram tal atitude, e a mensagem foi confiada a homens mais humildes. Disse Jesus: "Andai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apanhem." João 12:35. Os que se desviam da luz que Deus lhes deu, ou negligenciam buscá-la quando está a seu alcance, são deixados em trevas. Declara, porém, o Salvador: "Aquele que Me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida." João 8:12. Quem quer que esteja, com singeleza de propósito, procurando fazer a vontade de Deus, atendendo fervorosamente à luz já dada, receberá maior luz; será enviada àquela alma alguma estrela de fulgor celestial para guiá-la em toda a verdade.
No tempo do primeiro advento de Cristo, os sacerdotes e escribas da santa cidade, a quem foram confiados os oráculos de Deus, poderiam ter discernido os sinais dos tempos e proclamado a vinda do Prometido. A profecia de Miquéias designou o lugar de Seu nascimento (Miq. 5:2); Daniel especificou o tempo em que viria (Dan. 9:25). Deus confiou estas profecias aos dirigentes judeus; estariam sem desculpas se não soubessem nem declarassem ao povo que a vinda do Messias estava às portas. Sua ignorância era o resultado da pecaminosa negligência. Os judeus estavam edificando túmulos aos profetas assassinados, enquanto pela deferência com que tratavam os grandes homens da Terra prestavam homenagem aos servos de Satanás. Absortos em suas ambiciosas lutas para conseguir posição e poderio entre os homens, perderam de vista as honras divinas que lhes eram oferecidas pelo Rei do Céu.
Com profundo e reverente interesse deveriam encontrar-se a estudar o lugar, o tempo, as circunstâncias do grande acontecimento na história universal - a vinda do Filho de Deus para cumprir a redenção do homem. Todo o povo deveria ter estado a vigiar e esperar para que pudessem achar-se entre os primeiros a dar as boas-vindas ao Redentor do mundo. Mas ai! em Belém, dois fatigados viajantes, procedentes das colinas de Nazaré, percorrem em toda a extensão a estreita rua até à extremidade oriental da cidade, procurando em vão um lugar de repouso e abrigo para a noite. Porta alguma se achava aberta para os receber. Sob miserável telheiro preparado para o gado, encontram finalmente refúgio, e ali nasce o Salvador do mundo.
Anjos celestiais tinham visto a glória de que o Filho de Deus participava com o Pai antes que o mundo existisse, e com profundo interesse haviam aguardado o Seu aparecimento na Terra, como uma ocorrência repleta das maiores alegrias para todo o povo. Foram designados anjos para levar as alegres novas aos que estavam preparados para recebê-las, e que alegremente as tornariam conhecidas aos habitantes da Terra. Cristo Se abatera para tomar sobre Si a natureza do homem; deveria Ele suportar um peso infinito de misérias ao fazer de
Sua alma oferta pelo pecado; todavia, desejavam os anjos que mesmo em Sua humilhação o Filho do Altíssimo pudesse aparecer diante dos homens com uma dignidade e glória condizentes com Seu caráter. Congregar-se-iam os grandes homens da Terra na capital de Israel para saudar a Sua vinda? Apresentá-Lo-iam legiões de anjos à multidão expectante?
Um anjo visita a Terra a fim de ver quais os que se acham preparados para receber a Jesus. Não pode, porém, distinguir sinal algum de expectação. Não ouve voz alguma de louvor e triunfo, anunciando que o tempo da vinda do Messias está às portas. O anjo paira por algum tempo sobre a cidade escolhida e o templo onde a presença divina tinha sido manifestada durante séculos; mas, mesmo ali, há idêntica indiferença. Os sacerdotes, em sua pompa e orgulho, estão oferecendo profanos sacrifícios no templo. Os fariseus estão em altas vozes discursando ao povo, ou fazendo jactanciosas orações nas esquinas das ruas. Nos palácios dos reis, nas assembléias dos filósofos, nas escolas dos rabis, todos, de igual maneira, se acham inconscientes do maravilhoso fato que encheu todo o Céu de alegria e louvor - o fato de que o Redentor dos homens está prestes a aparecer na Terra.
Evidência alguma há de que Cristo seja esperado, e nenhum preparativo para o Príncipe da Vida. Com espanto está o mensageiro celestial prestes a voltar para o Céu com a desonrosa notícia, quando descobre alguns pastores que, à noite, vigiam seus rebanhos e, mirando o céu bordado de estrelas, meditam na profecia do Messias a vir à Terra, anelando o advento do Redentor do mundo. Ali se encontra um grupo que está preparado para receber a mensagem celestial. E subitamente o anjo do Senhor aparece anunciando as boas novas de grande alegria. A glória celestial inunda a planície toda; aparece uma incontável multidão de anjos e, como se fora demasiado grande a alegria para um só mensageiro trazê-la do Céu, uma multidão de vozes irrompe em louvores que todas as nações dos salvos um dia entoarão: "Glória a Deus nas alturas, paz na Terra, boa vontade para com os homens." Luc. 2:14.
Oh! Que lição encerra a maravilhosa história de Belém! Quanto ela reprova a nossa incredulidade, nosso orgulho e amor-próprio! Quanto nos adverte a nos precavermos para que não aconteça que pela nossa criminosa indiferença deixemos também de discernir os sinais dos tempos e, portanto, não conheçamos o dia de nossa visitação!
Não foi somente nas colinas da Judeia, nem apenas entre os humildes pastores, que os anjos encontraram os que se achavam vigilantes pela vinda do Messias. Na terra dos gentios havia também os que por Ele esperavam; eram homens sábios, ricos e nobres filósofos do Oriente. Estudiosos da natureza, haviam os magos visto a Deus em Sua obra. Pelas Escrituras hebraicas tinham aprendido acerca da Estrela que deveria surgir de Jacob, e com ardente desejo esperavam a vinda dAquele que seria não somente a "Consolação de Israel", mas uma "luz para alumiar as nações", e "salvação até os confins da Terra". Luc. 2:25 e 32; Atos 13:47. Buscavam a luz, e luz procedente do trono de Deus iluminou-lhes o caminho para os pés. Enquanto os sacerdotes e rabis de Jerusalém, os pretensos depositários e expositores da verdade, se encontravam envoltos em trevas, a estrela enviada pelo Céu guiou os estrangeiros gentios ao lugar do nascimento do recém-nascido Rei.
É para os que O esperam que Cristo deve aparecer a segunda vez, sem pecado, para a salvação (Heb. 9:28). Semelhantemente às novas do nascimento do Salvador, a mensagem do segundo advento não foi confiada aos dirigentes religiosos do povo. Eles não haviam preservado sua união com Deus, recusando a luz do Céu; não eram, portanto, do número descrito pelo apóstolo Paulo: "Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão; porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas." I Tess. 5:4 e 5.
Os vigias sobre os muros de Sião deveriam ter sido os primeiros a aprender as novas do advento do Salvador, os primeiros a alçar a voz para proclamar achar-Se Ele perto, os primeiros a advertir o povo a fim de que se preparasse para a Sua vinda. Entregavam-se, porém, ao comodismo, sonhando em paz e segurança, enquanto o povo dormia em seus pecados. Jesus viu a Sua igreja, semelhando a figueira estéril, coberta de pretensiosas folhas e no entanto destituída do precioso fruto. Notava-se alardeada observância das formas da religião, enquanto faltava o espírito da verdadeira humildade, arrependimento e fé - o que unicamente poderia tornar aceitável o culto a Deus. Em vez das graças do Espírito, havia manifesto orgulho, formalismo, vanglória, egoísmo, opressão. Uma igreja apóstata fechava os olhos aos sinais dos tempos. Deus não a abandonou, nem permitiu que Sua fidelidade lhe faltasse; dEle, porém, afastara-se, e separara-se de Seu amor. Recusando-se ela a satisfazer às condições, Suas promessas não foram para com ela cumpridas.
Esse é o resultado certo de não apreciar nem aproveitar a luz e privilégios que Deus confere. A menos que a igreja siga o caminho que lhe abre a Providência, aceitando todo raio de luz, cumprindo todo dever que lhe seja revelado, a religião fatalmente degenerará em formalismo, e desaparecerá o espírito da piedade vital. Esta verdade tem sido repetidas vezes ilustrada na história da igreja. Deus requer de Seu povo obras de fé e obediência correspondentes às bênçãos e privilégios conferidos. A obediência exige sacrifício e implica uma cruz; e este é o motivo por que tantos dentre os professos seguidores de Cristo se recusam a receber a luz do Céu e, como aconteceu com os judeus de outrora, não conhecem o tempo de Sua visitação (Luc. 19:44). Por causa de seu orgulho e incredulidade, o Senhor os passa por alto, e revela Sua verdade aos que, à semelhança dos pastores de Belém e dos magos do Oriente, têm prestado atenção a toda a luz que receberam.

UMA PROFECIA MUITO SIGNIFICATIVA

Um lavrador íntegro e de sentimentos honestos, que havia sido levado a duvidar da autoridade divina das Escrituras e que no entanto desejava sinceramente conhecer a verdade, foi o homem especialmente escolhido por Deus para iniciar a proclamação da segunda vinda de Cristo. Como outros muitos reformadores, Guilherme Miller lutou no princípio de sua vida com a pobreza, aprendendo assim as grandes lições de energia e renúncia. Os membros da família de que proveio caracterizavam-se por um espírito independente e amante da liberdade, pela capacidade de resistência e ardente patriotismo, traços que também eram preeminentes em seu caráter. Seu pai fora capitão no exército da Revolução, e, aos sacrifícios que fizera nas lutas e sofrimentos daquele tempestuoso período, podem-se atribuir as circunstâncias embaraçosas dos primeiros anos da vida de Miller.
Possuía ele robusta constituição física, e já na meninice dera provas de força intelectual superior à comum. Com o passar dos anos tornou-se isto ainda mais notório. Seu espírito era ativo e bem desenvolvido, e ardente sua sede de saber. Conquanto não haurisse as vantagens de uma educação superior, seu amor ao estudo e o hábito de pensar cuidadosamente, bem como a aguda perspicácia, tornaram-no um homem de perfeito discernimento e largueza de vistas. Era dotado de irrepreensível caráter moral e nome invejável, sendo geralmente estimado por sua integridade, frugalidade e benevolência. À custa de energia e aplicação, adquiriu o necessário para viver, conservando, no entanto, seus hábitos de estudo. Ocupou com distinção vários cargos civis e militares, e as portas da riqueza e honra pareciam-lhe abertas de par em par.
Sua mãe era mulher verdadeiramente piedosa, e na infância estivera ele sujeito às impressões religiosas. No entanto, ao atingir o limiar da idade adulta, foi levado a associar-se com deístas, cuja influência foi tanto mais acentuada pelo fato de serem na maioria bons cidadãos, e homens de disposições humanitárias e benevolentes. Vivendo, como viviam, no meio de instituições cristãs, seu caráter tinha sido até certo ponto moldado pelo ambiente. As boas qualidades que lhes conquistaram respeito e confiança, deviam-nas à Bíblia, e, contudo, esses dons apreciáveis se haviam pervertido a ponto de exercer influência contra a Palavra de Deus. Pela associação com esses homens, Miller foi levado a adoptar seus sentimentos. As interpretações corretas das Escrituras apresentavam dificuldades que lhe pareciam insuperáveis; todavia, sua nova crença, conquanto pusesse de lado a Escritura Sagrada, nada oferecia de melhor para substituí-la, e longe estava ele de sentir-se satisfeito. Continuou, entretanto, a manter estas opiniões durante mais ou menos doze anos. Mas com a idade de trinta e quatro anos, o Espírito Santo impressionou-lhe o coração com a intuição de seu estado pecaminoso. Não encontrou em sua crença anterior certeza alguma de felicidade além-túmulo. O futuro era negro e tétrico. Referindo-se mais tarde aos seus sentimentos nesta época, disse ele:
"O aniquilamento era um pensamento gélido e desalentador, e o fato de ter o homem de responder por seus atos significava destruição certa para todos. O céu era como bronze por sobre a minha cabeça e a terra como ferro sob os meus pés. A eternidade, que era? E a morte, por que existia? Quanto mais raciocinava, mais longe me achava da evidência. Quanto mais pensava, mais contraditórias eram as minhas conclusões. Tentei deixar de pensar, mas meus pensamentos não podiam ser dominados. Era verdadeiramente infeliz, mas não compreendia a causa. Murmurava e queixava-me, sem saber de quem. Sabia que algo havia de errado, mas não sabia como ou onde encontrar o que era reto. Lamentava, mas sem esperança."
Neste estado continuou durante alguns meses. "Subitamente", diz ele, "gravou-se-me ao vivo no espírito o caráter de um Salvador. Pareceu-me que bem poderia existir um Ser tão bom e compassivo que por nossas transgressões fizesse expiação, livrando-nos, assim, de sofrer a pena do pecado. Compreendi desde logo quão amável esse Ente deveria ser, e imaginei poder lançar-me aos Seus braços, confiante em Sua misericórdia. Mas surgiu a questão: Como se pode provar a existência desse Ser? Afora a Bíblia, achei que não poderia obter prova da existência de semelhante Salvador, nem sequer de uma existência futura. ...
"Vi que a Escritura Sagrada apresentava precisamente um Salvador como o que necessitava; e fiquei perplexo por ver como um livro não inspirado desenvolvia princípios tão perfeitamente adaptados às necessidades de um mundo decaído. Fui constrangido a admitir que as Escrituras devem ser uma revelação de Deus. Tornaram-se elas o meu deleite; e em Jesus encontrei um amigo. O Salvador tornou-Se para mim o primeiro entre dez mil; e as Escrituras, que antes eram obscuras e contraditórias, tornaram-se agora a lâmpada para os meus pés e luz para meu caminho. Meu espírito tranquilizou-se e ficou satisfeito. Achei que o Senhor Deus é uma Rocha em meio do oceano da vida. A Bíblia tornou-se então o meu estudo principal e, posso em verdade dizer, pesquisava-a com grande deleite. Vi que a metade nunca se me havia dito. Admirava-me de que me não tivesse apercebido antes, de sua beleza e glória; e maravilhava-me de que já a pudesse haver rejeitado. Tudo que o coração poderia desejar, encontrei revelado, como um remédio para toda enfermidade da alma. Perdi todo o gosto para outra leitura, e apliquei o coração a obter a sabedoria de Deus." - Memórias de Guilherme Miller, S. Bliss.
Miller professou publicamente sua fé na religião que antes desprezara. Seus companheiros incrédulos, entretanto, não tardaram em produzir todos os argumentos com que ele próprio insistira contra a autoridade divina das Escrituras. Não estava então preparado para responder a eles, mas raciocinava que, se a Bíblia é a revelação de Deus, deve ser coerente consigo mesma; e que, como foi dada para a instrução do homem, deve adaptar-se à sua compreensão. Decidiu-se a estudar as Escrituras por si mesmo, e verificar se as aparentes contradições não se poderiam harmonizar.
Esforçando-se por deixar de lado todas as opiniões preconcebidas, dispensando comentários, comparou passagem com passagem, com o auxílio das referências à margem e da concordância. Prosseguiu no estudo de modo sistemático e metódico; começando com Génesis, e lendo versículo por versículo, não ia mais depressa do que se lhe desvendava o sentido das várias passagens, de modo a deixá-lo livre de toda dificuldade. Quando encontrava algum ponto obscuro, tinha por costume compará-lo com todos os outros textos que pareciam ter qualquer referência ao assunto em consideração. Permitia que cada palavra tivesse a relação própria com o assunto do texto e, quando harmonizava seu ponto de vista acerca dessa passagem com todas as referências da mesma, deixava de ser uma dificuldade. Assim, quando quer que encontrasse passagem difícil de entender, achava explicação em alguma outra parte das Escrituras. Estudando com fervorosa oração para obter esclarecimentos da parte de Deus, o que antes parecia obscuro à compreensão agora se fizera claro. Experimentou a verdade das palavras do salmista: "A exposição das Tuas Palavras dá luz; dá entendimento aos símplices." Sal. 119:130.
Com intenso interesse estudou os livros de Daniel e Apocalipse, empregando os mesmos princípios de interpretação que para as demais partes das Escrituras; e descobriu, para sua grande alegria, que os símbolos proféticos podiam ser compreendidos. Viu que as profecias já cumpridas tiveram cumprimento literal; que todas as várias figuras, metáforas, parábolas, símiles, etc., ou eram explicados em seu contexto, ou os termos em que eram expressos se achavam entendidos literalmente. "Fiquei assim convencido", diz ele, "de ser a Escritura Sagrada um conjunto de verdades reveladas, tão clara e simplesmente apresentadas que o viajante, ainda que seja um louco, não precisa errar." - Bliss. Elo após elo da cadeia da verdade recompensava seus esforços, enquanto passo a passo divisava as grandes linhas proféticas. Anjos celestiais estavam a guiar-lhe o espírito e a abrir as Escrituras à sua compreensão.
Tomando a maneira por que as profecias se tinham cumprido no passado como critério pelo qual julgar do cumprimento das que ainda estavam no futuro, chegou à conclusão de que o conceito popular acerca do reino espiritual de Cristo - o milénio temporal antes do fim do mundo - não é apoiado pela Palavra de Deus. Essa doutrina, falando em mil anos de justiça e paz antes da vinda pessoal do Senhor, afasta para longe os terrores do dia de Deus. Mas, por agradável que seja, é contrária aos ensinos de Cristo e Seus apóstolos, que declaravam que o trigo e o joio devem crescer juntos até à ceifa, o fim do mundo (Mat. 13:30, 38-41); que "os homens maus e enganadores irão de mal para pior"; que "nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos" (II Tim. 3:13 e 1); e que o reino das trevas continuará até o advento do Senhor, sendo consumido pelo espírito de Sua boca e destruído com o resplendor de Sua vinda (II Tess. 2:8).
A doutrina da conversão do mundo e do reino espiritual de Cristo não era mantida pela igreja apostólica. Não foi geralmente aceita pelos cristãos antes do começo do século XVIII, aproximadamente. Como todos os outros erros, seus resultados foram maus. Ensinava os homens a afastarem para um longínquo futuro a vinda do Senhor, e os impedia de prestar atenção aos sinais que anunciavam Sua aproximação. Infundia um sentimento de confiança e segurança que não era bem fundado, levando muitos a negligenciarem o necessário preparo a fim de se encontrar com seu Senhor.
Miller achou que a vinda de Cristo, literal, pessoal, é plenamente ensinada nas Escrituras. Diz Paulo: "O mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de Arcanjo, e com a trombeta de Deus." I Tess. 4:16. E o Salvador declara: "Verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória." "Assim como o relâmpago sai do Oriente e se mostra até ao Ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem." Mat. 24:30 e 27. Ele deverá ser acompanhado de todas as hostes celestiais. O Filho do homem virá em Sua glória, "e todos os santos anjos com Ele". Mat. 25:31. "Ele enviará os Seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os Seus escolhidos." Mat. 24:31.
À Sua vinda, os justos que estiverem mortos ressuscitarão, os vivos serão transformados. "Nem todos dormiremos", diz Paulo, "mas todos seremos transformados, num momento num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade." I Cor. 15:51-53. E em sua carta aos tessalonicenses, depois de descrever a vinda do Senhor, diz ele: "Os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor." I Tess. 4:16 e 17.
Não poderá o Seu povo receber o reino antes do advento pessoal de Cristo. Disse o Salvador: "E quando o Filho do homem vier em Sua glória, e todos os santos anjos com Ele, então Se assentará no trono da Sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dEle, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; e porá as ovelhas à Sua direita, mas os bodes à esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à Sua direita: Vinde, benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo." Mat. 25:31-34. Vimos pelos textos citados que, quando o Filho do homem vier, os mortos serão ressuscitados incorruptíveis, e os vivos serão transformados. Por esta grande mudança ficam preparados para receberem o reino; pois Paulo diz: "A carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herda a incorrupção." I Cor. 15:50. O homem, em seu estado presente, é mortal, corruptível; o reino de Deus, porém, será incorruptível, permanecendo para sempre. Portanto, o homem, em sua condição atual, não pode entrar no reino de Deus. Mas, em vindo Jesus, confere a imortalidade a Seu povo; e então os chama para possuírem o reino de que até ali têm sido apenas herdeiros.
Estas e outras passagens provaram claramente ao espírito de Miller que os acontecimentos que geralmente se esperava ocorrerem antes da vinda de Cristo, como seja o reino universal de paz e o estabelecimento do domínio de Deus sobre a Terra, deveriam ser subsequentes ao segundo advento. Além disso, todos os sinais dos tempos e as condições do mundo correspondiam à descrição profética dos últimos dias. Foi levado, somente pelo estudo das Escrituras, à conclusão de que estava prestes a terminar o período de tempo concedido para a existência da Terra em sua condição presente.
"Outra espécie de prova que vivamente me impressionava o espírito", diz ele, "era a cronologia das Escrituras. ... Notei que os acontecimentos preditos, que se haviam cumprido no passado, muitas vezes ocorreram dentro de um dado tempo. Os cento e vinte anos do dilúvio (Gén. 6:3), os sete dias que o deviam preceder, com quarenta dias de chuva predita (Gén. 7:4), os quatrocentos anos da permanência temporária da semente de Abraão (Gén. 15:13), os três dias do sonho do copeiro-mor e do padeiro-mor (Gên. 40:12-20); os sete anos de Faraó (Gén. 41:28-54), os quarenta anos no deserto (Núm. 14:34), os três anos e meio de fome (I Reis 17:1; ver Luc. 4:25); o cativeiro de setenta anos (Jer. 25:11), os sete tempos de Nabucodonosor (Dan. 4:13-16), e as sete semanas, sessenta e duas semanas, e a semana, perfazendo setenta semanas, determinadas aos judeus (Dan. 9:24-27) são tempos que limitaram acontecimentos que antes eram apenas assuntos de profecia, cumprindo-se de acordo com as predições." - Bliss.
Quando, portanto, encontrou em seu estudo da Bíblia vários períodos cronológicos que segundo a sua compreensão dos mesmos, se estendiam até à segunda vinda de Cristo, não pôde senão considerá-los como os "tempos já dantes ordenados", que Deus revelou a Seus servos. "As coisas encobertas", diz Moisés, "são para o Senhor nosso Deus, porém, as reveladas são para nós e para nossos filhos para sempre" (Deut. 29:29); e o Senhor declara pelo profeta Amós que "não fará coisa alguma, sem ter revelado o Seu segredo aos Seus servos, os profetas". Amós 3:7. Assim, os que estudam a Palavra de Deus podem confiantemente esperar que encontrarão nas Escrituras da verdade, claramente indicado, o acontecimento mais estupendo a ocorrer na história da humanidade.
"Como eu estivesse plenamente convicto", diz Miller, "de que 'toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa'; de que ela não veio nunca pela vontade do homem, mas foi escrita ao serem homens santos inspirados pelo Espírito Santo (II Ped. 1:21), e dada 'para nosso ensino', 'para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança', não poderia deixar de considerar as porções cronológicas da Bíblia senão como uma parte da Palavra de Deus, e com tanto direito à nossa séria consideração como qualquer outra porção dela. Senti, pois, que, esforçando-me por compreender o que Deus em Sua misericórdia achou conveniente revelar-nos, eu não tinha direito de omitir os períodos proféticos." - Bliss.
A profecia que mais claramente parecia revelar o tempo do segundo advento, era a de Daniel 8:14: "Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado." Seguindo sua regra de fazer as Escrituras o seu próprio intérprete, Miller descobriu que um dia na profecia simbólica representa um ano (Núm. 14:34; Ezeq. 4:6); viu que o período de 2.300 dias proféticos, ou anos literais, se estenderia muito além do final da dispensação judaica, donde o não poder ele referir-se ao santuário daquela dispensação. Miller aceitou a opinião geralmente acolhida, de que na era cristã a Terra é o santuário, e, portanto, compreendeu que a purificação do santuário predita em Daniel 8:14 representa a purificação da Terra pelo fogo, à segunda vinda de Cristo. Se, pois, se pudesse encontrar o exato ponto de partida para os 2.300 dias, concluiu que se poderia facilmente determinar a ocasião do segundo advento. Assim se revelaria o tempo daquela grande consumação, "tempo em que as condições presentes, com todo o seu orgulho e poder, pompa e vaidade, impiedade e opressão, viriam ao fim", que a maldição "se removeria da Terra, a morte seria destruída, dar-se-ia o galardão aos servos de Deus, os profetas e os santos, e aos que temem o Seu nome, e seriam destruídos os que devastam a Terra". - Bliss.
Com um novo e mais profundo fervor, Miller continuou o exame das profecias, dedicando dias e noites inteiras ao estudo do que agora lhe parecia de tão estupenda importância e absorvente interesse. No capítulo 8 de Daniel ele não pôde achar nenhum fio que guiasse ao ponto de partida dos 2.300 dias; o anjo Gabriel, conquanto tivesse recebido ordem de fazer com que Daniel compreendesse a visão, deu-lhe apenas uma explicação parcial. Quando a terrível perseguição a recair sobre a igreja foi desvendada à visão do profeta, abandonou-o a força física. Não pôde suportar mais, e o anjo o deixou por algum tempo. Daniel enfraqueceu e esteve enfermo alguns dias. "Espantei-me acerca da visão", diz ele,"e não havia quem a entendesse."
Deus ordenou, contudo, a Seu mensageiro: "Dá a entender a este a visão." A incumbência devia ser satisfeita. Em obediência a ela, o anjo, algum tempo depois, voltou a Daniel, dizendo: "Agora saí para fazer-te entender o sentido"; "toma, pois, bem sentido na palavra, e entende a visão." Dan. 9:22 e 23. Havia, na visão do capítulo 8, um ponto importante que tinha sido deixado sem explicação, a saber, o que se refere ao tempo, ou seja, ao período dos 2.300 dias; portanto o anjo, reencetando a explicação, ocupa-se principalmente do assunto do tempo: "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade. ... Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até o Messias, o Príncipe, sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será tirado o Messias, e não será mais. ... E Ele firmará um concerto com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares." Dan. 9:24-27.
O anjo fora enviado a Daniel com o expresso fim de lhe explicar o ponto que tinha deixado de compreender na visão do capítulo 8, a saber, a declaração relativa ao tempo: "Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado." Depois de mandar Daniel tomar bem sentido na palavra e entender a visão, as primeiras declarações do anjo foram: "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade." A palavra aqui traduzida "determinadas" significa literalmente "separadas". Setenta semanas, representando 490 anos, declara o anjo estarem separadas, referindo-se especialmente aos judeus. Mas, separadas de quê? Como os 2.300 dias foram o único período de tempo mencionado no capítulo 8, devem ser o período de que as setenta semanas se separaram; estas devem ser, portanto, uma parte dos 2.300 dias, e os dois períodos devem começar juntamente. Declara o anjo datarem as setenta semanas da saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém. Se se pudesse encontrar a data desta ordem, estaria estabelecido o ponto de partida do grande período dos 2.300 dias.
No capítulo 7 de Esdras acha-se o decreto (Esd. 7:12-26). Em sua forma completa foi promulgado por Artaxerxes, rei da Pérsia, em 457 antes de Cristo. Mas em Esdras 6:14 se diz ter sido a casa do Senhor em Jerusalém edificada "conforme o mandado [ou decreto, como se poderia traduzir] de Ciro e de Dario, e de Artaxerxes, rei da Pérsia". Estes três reis, originando, confirmando e completando o decreto, deram-lhe a perfeição exigida pela profecia para assinalar o início dos 2.300 anos. Tomando-se o ano 457 antes de Cristo, tempo em que se completou o decreto, como data da ordem, viu-se ter-se cumprido toda a especificação da profecia relativa às setenta semanas.
"Desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até o Messias, o Príncipe, sete semanas, e sessenta e duas semanas" - a saber, sessenta e nove semanas ou 483 anos. O decreto de Artaxerxes entrou em vigor no outono de 457 antes de Cristo. A partir desta data, 483 anos estendem-se até o outono do ano 27 de nossa era. Naquele tempo esta profecia se cumpriu. A palavra "Messias" significa o "Ungido". No outono do ano 27 de nossa era, Cristo foi batizado por João, e recebeu a unção do Espírito. O apóstolo Pedro testifica que "Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude". Atos 10:38. E o próprio Salvador declarou: "O Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres." Luc. 4:18. Depois de Seu batismo Ele foi para a Galiléia, "pregando o evangelho do reino de Deus, e dizendo: O tempo está cumprido". Mar. 1:14 e 15.
"E Ele firmará concerto com muitos por uma semana." A "semana", a que há referência aqui, é a última das setenta, são os últimos sete anos do período concedido especialmente aos judeus. Durante este tempo, que se estende do ano 27 ao ano 34 de nossa era, Cristo, a princípio em pessoa e depois pelos Seus discípulos, dirigiu o convite do evangelho especialmente aos judeus. Ao saírem os apóstolos com as boas novas do reino, a recomendação do Salvador era: "Não ireis pelos caminhos das gentes, nem entrareis em cidades de samaritanos; mas ide às ovelhas perdidas da casa de Israel." Mat. 10:5 e 6.
"Na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares." No ano 31 de nossa era, três anos e meio depois de Seu batismo, nosso Senhor foi crucificado. Com o grande sacrifício oferecido sobre o Calvário, terminou aquele sistema cerimonial de ofertas, que durante quatro mil anos haviam apontado para o Cordeiro de Deus. O tipo alcançou o antítipo, e todos os sacrifícios e ofertas daquele sistema cerimonial deveriam cessar.
As setenta semanas, ou 490 anos, especialmente conferidas aos judeus, terminaram, como vimos, no ano 34. Naquele tempo, pelo ato do sinédrio judaico, a nação selou sua recusa do evangelho, pelo martírio de Estêvão e perseguição aos seguidores de Cristo. Assim, a mensagem da salvação, não mais restrita ao povo escolhido, foi dada ao mundo. Os discípulos, forçados pela perseguição a fugir de Jerusalém, "iam por toda parte, anunciando a Palavra". Filipe desceu à cidade de Samaria e pregou a Cristo. Pedro, divinamente guiado, revelou o evangelho ao centurião de Cesaréia, Cornélio, que era temente a Deus; e o ardoroso Paulo, ganho à fé cristã, foi incumbido de levar as alegres novas "aos gentios de longe". Atos 8:4 e 5; 22:21.
Até aqui, cumpriram-se de maneira surpreendente todas as especificações das profecias e fixa-se o início das setenta semanas, inquestionavelmente, no ano 457 antes de Cristo, e seu termo no ano 34 de nossa era. Por estes dados não há dificuldade em achar-se o final dos 2.300 dias. Tendo sido as setenta semanas - 490 dias - separadas dos 2.300 dias, ficaram restando 1.810 dias. Depois do fim dos 490 dias os 1.810 dias deveriam ainda cumprir-se. Contando do ano 34 de nossa era, 1.810 anos se estendem a 1844. Consequentemente, os 2.300 dias de Daniel 8:14 terminam em 1844. Ao expirar este grande período profético, "o santuário será purificado", segundo o testemunho do anjo de Deus. Deste modo foi definitivamente indicado o tempo da purificação do santuário, que quase universalmente se acreditava ocorresse por ocasião do segundo advento.
Miller e seus companheiros a princípio creram que os 2.300 dias terminariam na primavera de 1844, ao passo que a profecia indicava o outono daquele ano. A compreensão errónea deste ponto trouxe desapontamento e perplexidade aos que haviam fixado a primeira daquelas datas para o tempo da vinda do Senhor. Isto, porém, não afetou nem de leve a força do argumento que mostrava terem os 2.300 dias terminado no ano 1844, e que o grande acontecimento representado pela purificação do santuário deveria ocorrer então.
Devotando-se ao estudo das Escrituras, como fizera, a fim de provar serem elas uma revelação de Deus, Miller não tinha a princípio a menor expectativa de atingir a conclusão a que chegara. A custo podia ele mesmo dar crédito aos resultados de sua investigação. Mas a prova das Escrituras era por demais clara e forte para que fosse posta de parte.
Dois anos dedicara ele ao estudo da Bíblia, quando, em 1818, chegou à solene conclusão de que dentro de vinte e cinco anos, aproximadamente, Cristo apareceria para redenção de Seu povo. "Não necessito falar", diz Miller, "do júbilo que me encheu o coração em vista da deleitável perspectiva, nem do anelo ardente de minha alma para participar das alegrias dos remidos. A Bíblia era então para mim um livro novo. Considerava-a verdadeiramente um banquete para a razão; tudo que, em seus ensinos, fora ininteligível, místico ou obscuro para mim, dissipara-se-me do espírito ante a clara luz que ora raiava de suas páginas sagradas; e oh! quão brilhante e gloriosa se me apresentava a verdade! Todas as contradições e incoerências que eu antes encontrara na Palavra, desapareceram; e posto que houvesse muitas partes de que eu não possuía uma compreensão que me satisfizesse, tanta luz, contudo, dela emanara para a iluminação de meu espírito antes obscurecido, que senti, em estudar as Escrituras, um prazer que antes não supunha pudesse ser delas derivado." - Bliss.
"Solenemente convencido de que as Santas Escrituras anunciavam o cumprimento de tão importantes acontecimentos em tão curto espaço de tempo, surgiu com força em minha alma a questão de saber qual meu dever para com o mundo, em face da evidência que comovera a meu próprio espírito." - Bliss. Não pôde deixar de sentir que era seu dever comunicar a outros a luz que tinha recebido. Esperava encontrar oposição por parte dos ímpios, mas confiava em que todos os cristãos se regozijariam na esperança de ver o Salvador, a quem professavam amar. Seu único temor era que, em sua grande alegria ante a perspectiva do glorioso livramento, a consumar-se tão breve, muitos recebessem a doutrina sem examinar suficientemente as Escrituras em demonstração de sua verdade. Portanto, hesitou em apresentá-la, receando que estivesse em erro, e fosse, assim, o meio de transviar a outros. Foi levado, desta maneira, a rever as provas em apoio das conclusões a que chegara, e a considerar cuidadosamente toda dificuldade que se lhe apresentava ao espírito. Viu que as objeções se desvaneciam ante a luz da Palavra de Deus, como a névoa diante dos raios do Sol. Cinco anos gastos dessa maneira, deixaram-no completamente convicto da exactidão de suas opiniões.
E agora o dever de tornar conhecido a outros o que cria ser ensinado tão claramente nas Escrituras, impunha-se-lhe com nova força. "Quando me achava em minha ocupação", disse ele, "soava continuamente em meu ouvido: 'Vai falar ao mundo sobre o perigo que o ameaça.' Ocorria-me constantemente esta passagem: 'Se Eu disser ao ímpio: Ó ímpio, certamente morrerás; e tu não falares para desviar o ímpio de seu caminho, morrerá esse ímpio na sua iniquidade, mas o seu sangue Eu o demandarei da tua mão. Mas, quando tu tiveres falado para desviar o ímpio do seu caminho, para que se converta dele, e ele se não converter de seu caminho, ele morrerá na sua iniquidade, mas tu livraste a tua alma.' Ezequiel 33:8 e 9. Compreendi que, se os ímpios pudessem ser devidamente advertidos, multidões deles se arrependeriam; e que, se eles não fossem avisados, seu sangue poderia ser exigido de minha mão." - Bliss.
Começou ele a apresentar suas opiniões em particular, quando se lhe oferecia oportunidade, orando para que algum pastor pudesse sentir a força das mesmas e dedicar-se à sua promulgação. Mas não pôde banir a convicção de que tinha um dever pessoal a cumprir, em fazer a advertência. Ocorriam-lhe sempre ao espírito as palavras: "Vai dizê-lo ao mundo; seu sangue requererei de tuas mãos." Durante nove anos esperou, pesando-lhe sempre este fardo sobre a alma, até que em 1831 pela primeira vez expôs publicamente as razões de sua fé.
Assim como Eliseu foi chamado quando à rabiça do arado acompanhava os bois no campo de trabalho, a fim de receber o manto da consagração ao ofício de profeta, também Guilherme Miller foi chamado para deixar o arado e desvendar ao povo os mistérios do reino de Deus. Cheio de temores, deu início ao trabalho, levando seus ouvintes passo a passo, através dos períodos proféticos, até o segundo aparecimento de Cristo. Em cada preleção ganhava ele energia e coragem, vendo o grande interesse despertado por suas palavras.
Foi somente às solicitações de seus irmãos, em cujas palavras ele ouvia o chamado de Deus, que Miller consentiu em apresentar suas opiniões em público. Contava então cinqüenta anos de idade, não estava habituado a falar em público, e sentia-se oprimido ao reconhecer sua incapacidade para a obra. Desde o princípio, porém, seus trabalhos para a salvação das almas foram abençoados de modo notável. Sua primeira conferência foi seguida de um despertamento religioso, no qual se converteram treze famílias inteiras, com exceção de duas pessoas. Foi imediatamente convidado a falar em outros lugares, e quase em toda parte seu trabalho resultava em avivamento da obra de Deus. Convertiam-se pecadores, cristãos eram despertados a maior consagração, e deístas e incrédulos reconheciam a verdade da Bíblia e da religião cristã. O testemunho daqueles entre os quais trabalhava, era: "Atingia a uma classe de espíritos fora da influência de outros homens." - Bliss. Sua pregação era de molde a despertar o espírito público aos grandes temas da religião, e sustar o crescente mundanismo e sensualidade da época.
Em quase todas as cidades havia dezenas de conversos, e em algumas, centenas, como resultado de sua pregação. Em muitos lugares as igrejas protestantes de quase todas as denominações abriram-se-lhe amplamente; e os convites para nelas trabalhar vinham geralmente dos pastores das várias congregações. Adoptava como regra invariável não trabalhar em qualquer lugar a que não fosse convidado; e, no entanto, logo se viu impossibilitado de atender à metade dos pedidos que choviam sobre ele.
Muitos que não aceitaram suas opiniões quanto ao tempo exato do segundo advento, ficaram convencidos da certeza e proximidade da vinda de Cristo e de sua necessidade de preparo. Em algumas das grandes cidades seu trabalho produziu impressão extraordinária. Vendedores de bebidas abandonavam este comércio e transformavam suas lojas em salas de cultos; antros de jogo eram fechados; corrigiam-se incrédulos, deístas, universalistas, e mesmo os libertinos mais perdidos, alguns dos quais não haviam durante anos entrado em uma casa de culto. Várias denominações efetuavam reuniões de oração, em diferentes bairros, quase a todas as horas do dia, reunindo-se os homens de negócios ao meio-dia para oração de louvor. Não havia nenhuma excitação extravagante, mas sim uma sensação de solenidade quase geral no espírito do povo. Sua obra, como a dos primeiros reformadores, tendia antes para convencer o entendimento e despertar a consciência do que a meramente excitar as emoções.
Em 1833 Miller recebeu da Igreja Batista de que era membro uma licença para pregar. Grande número dos pastores de sua denominação aprovou-lhe também a obra, e foi com essa sanção formal que continuou com os seus trabalhos. Posto que seus labores pessoais estivessem limitados principalmente à Nova Inglaterra e aos Estados centrais, viajou e pregou incessantemente. Durante vários anos suas despesas eram cobertas inteiramente por sua bolsa particular e posteriormente nunca recebeu o bastante para custear as viagens aos lugares a que era convidado. Assim, seus trabalhos públicos, longe de serem benefício financeiro, eram-lhe pesado encargo às posses, que gradualmente diminuíram durante este período de sua vida. Era chefe de numerosa família; mas como todos eram sóbrios e industriosos, sua fazenda bastava para a manutenção de todos.
Em 1833, dois anos depois que Miller começou a apresentar em público as provas da próxima vinda de Cristo, apareceu o último dos sinais que foram prometidos pelo Salvador como indícios de Seu segundo advento. Disse Jesus: "As estrelas cairão do céu." Mat. 24:29. E João, no Apocalipse, declarou, ao contemplar em visão as cenas que deveriam anunciar o dia de Deus: "E as estrelas do céu caíram sobre a Terra, como quando a figueira lança de si os seus figos verdes, abalada por um vento forte." Apoc. 6:13. Esta profecia teve cumprimento surpreendente e impressionante na grande chuva meteórica de 13 de novembro de 1833. Aquela foi a mais extensa e maravilhosa exibição de estrelas cadentes que já se tem registado, "achando-se então o firmamento inteiro, sobre todos os Estados Unidos, durante horas, em faiscante comoção! Neste país, desde que começou a ser colonizado, nenhum fenómeno celeste já ocorreu que fosse visto com tão intensa admiração por uns ou com tanto terror e alarma por outros". "Sua sublimidade e terrível beleza ainda perdura em muitos espíritos. ... Raras vezes caiu chuva mais densa do que caíram os meteoros em direção à Terra; Leste, Oeste, Norte e Sul, tudo era o mesmo. Em uma palavra, o céu inteiro parecia em movimento. ... O espetáculo, como o descreveu o diário do Prof. Silliman, foi visto por toda a América do Norte. ... Desde as duas horas até pleno dia, estando o céu perfeitamente sereno e sem nuvens, um contínuo jogo de luzes deslumbrantemente fulgurantes se manteve em todo o firmamento." - Progresso Americano, ou Os Grandes Acontecimentos do Maior dos Séculos, R. M. Devens.
"Nenhuma expressão, na verdade, pode chegar à altura do esplendor daquela exibição magnificente; ... pessoa alguma que não a testemunhou pode ter uma concepção adequada de sua glória. Dir-se-ia que todas as estrelas se houvessem reunido em um ponto próximo do zênite, e dali fossem simultaneamente arrojadas, com a velocidade do relâmpago, a todas as partes do horizonte; e, no entanto, não se exauriam, seguindo-se milhares celeremente no rastro de milhares, como se houvessem sido criadas para a ocasião." - F. Reed, no Christian Advocate and Journal, de 13 de dezembro de 1833. "Não era possível contemplar um quadro mais fiel de uma figueira lançando seus figos quando açoitada por um vento forte." - The Old Countryman, no Advertiser, vespertino de Portland, de 26 de novembro de 1833.
No Journal of Commerce, de Nova Iorque, de 14 de novembro de 1833, apareceu um longo artigo considerando este maravilhoso fenómeno, o texto continha esta declaração: "Nenhum filósofo ou sábio mencionou ou registou, suponho-o eu, um acontecimento semelhante ao de ontem de manhã. Um profeta há mil e oitocentos anos predisse-o exatamente - se não nos furtarmos ao incómodo de compreender o chuveiro de estrelas como a queda das mesmas, ... no único sentido em que é possível ser isso literalmente verdade."
Assim se mostrou o último dos sinais de Sua vinda, relativamente aos quais Jesus declarou a Seus discípulos: "Quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas." Mat. 24:33. Depois destes sinais João contemplou, como o grande acontecimento a seguir imediatamente, o céu retirando-se como pergaminho que se enrola, enquanto a Terra tremia, montanhas e ilhas se removiam dos lugares, e os ímpios procuravam, aterrorizados, fugir da presença do Filho do homem. (Apoc. 6:12-17.)
Muitos que testemunharam a queda das estrelas, consideraram-na um arauto do juízo vindouro - "sinal espantoso, precursor certo, misericordioso prenúncio do grande e terrível dia". - The Old Countryman. Deste modo a atenção do povo foi dirigida para o cumprimento da profecia, sendo muitos levados a dar atenção à advertência do segundo advento.
No ano de 1840 outro notável cumprimento de profecia despertou geral interesse. Dois anos antes, Josias Litch, um dos principais pastores que pregavam o segundo advento, publicou uma explicação de Apocalipse 9, predizendo a queda do Império Otomano. Segundo seus cálculos esta potência deveria ser subvertida "no ano de 1840, no mês de agosto"; e poucos dias apenas antes de seu cumprimento escreveu: "Admitindo que o primeiro período, 150 anos, se cumpriu exatamente antes que Deacozes subisse ao trono com permissão dos turcos, e que os 391 anos, quinze dias, começaram no final do primeiro período, terminará no dia 11 de agosto de 1840, quando se pode esperar seja abatido o poderio otomano em Constantinopla. E isto, creio eu, verificar-se-á ser o caso." Josias Litch, artigo no Signs of the Times, and Expositor of Prophecy, de 1º de agosto de 1840.
No mesmo tempo especificado, a Turquia, por intermédio de seus embaixadores, aceitou a proteção das potências aliadas da Europa, e assim se pôs sob a direção de nações cristãs. O acontecimento cumpriu exatamente a predição. Quando isto se tornou conhecido, multidões se convenceram da exatidão dos princípios de interpretação profética adotados por Miller e seus companheiros, e maravilhoso impulso foi dado ao movimento do advento. Homens de saber e posição uniram-se a Miller, tanto para pregar como para publicar suas opiniões, e de 1840 a 1844 a obra estendeu-se rapidamente.
Guilherme Miller possuía grandes dotes intelectuais, disciplinados pela meditação e estudo; e a estes acrescentava a sabedoria do Céu, pondo-se em ligação com a Fonte da sabedoria. Era um homem de verdadeiro valor, que inspirava respeito e estima onde quer que a integridade de caráter e a excelência moral fossem apreciadas. Unindo a verdadeira bondade de coração à humildade cristã e ao poder do domínio próprio, era atento e afável para com todos, pronto para ouvir as opiniões de outrem e pesar seus argumentos. Sem paixão ou excitação, aferia todas as teorias e doutrinas pela Palavra de Deus; e seu raciocínio sadio e o profundo conhecimento das Escrituras habilitavam-no a refutar o erro e desmascarar a falsidade.
Todavia, não prosseguiu ele o seu trabalho sem tenaz oposição. Como acontecera com os primeiros reformadores, as verdades que apresentava não eram recebidas favoravelmente pelos ensinadores populares da religião. Não podendo manter sua atitude pelas Escrituras, viam-se obrigados a recorrer aos ditos e doutrinas de homens, às tradições dos pais da igreja. A Palavra de Deus, porém, era o único testemunho aceito pelos pregadores da verdade do advento. "A Bíblia, e a Bíblia só", era a sua senha. A falta de argumentos das Santas Escrituras, por parte dos oponentes, supriam-na eles pelo ridículo e o escárnio. Empregavam tempo, meios e talentos para difamar aqueles cuja única falta era esperar com alegria a volta de seu Senhor, e esforçar-se por viver vida santa e exortar aos demais a prepararem-se para o Seu aparecimento.
Diligentes esforços se faziam para que o espírito do povo fosse desviado do assunto referente ao segundo advento. Procurava-se dar a impressão de que estudar as profecias que se referem à vinda de Cristo e ao fim do mundo, fosse pecado, algo de que os homens deveriam envergonhar-se. Assim, o ministério popular minava a fé na Palavra de Deus. Seu ensino tornava os homens incrédulos, e muitos tomaram a liberdade de andar conforme seus próprios desejos ímpios. Então os autores desse mal atribuíram-no todo aos adventistas.
Se bem que Miller conseguisse ter casas repletas de ouvintes inteligentes e atentos, seu nome era raras vezes mencionado pela imprensa religiosa, excepto para fins de acusação e ridículo. Os descuidados e ímpios, tornando-se audazes pela atitude dos ensinadores religiosos, recorriam aos epítetos infamantes, graçolas vis e blasfemas, em seu esforço de amontoar o ultraje sobre ele e sua obra. O homem de cabelos grisalhos, que deixara o lar confortável para viajar a expensas próprias, de cidade em cidade, de vila em vila, labutando incessantemente a fim de levar ao mundo a solene advertência do juízo próximo, era vilmente acusado de fanático, mentiroso e patife explorador.
O ridículo, a falsidade, o insulto acumulados sobre ele, provocaram indignados protestos, mesmo por parte da imprensa secular. "Tratar um assunto de tão imponente majestade e terríveis consequências", com leviandade e linguagem baixa, declaravam mesmo homens mundanos ser "não meramente brincar com os sentimentos de seus propagadores e advogados", mas "fazer zombaria do dia de juízo, escarnecer da própria Divindade, e desdenhar os terrores de Seu tribunal." - Bliss.
O instigador de todo mal procurava não somente contrariar o efeito da mensagem do advento, mas destruir o próprio mensageiro. Miller fazia aplicação prática da verdade das Escrituras ao coração de seus ouvintes, reprovando-lhes os pecados e perturbando-lhes a satisfação própria; e suas palavras claras e incisivas despertaram inimizade. A oposição manifestada pelos membros da igreja à sua mensagem, animava as classes inferiores a irem mais longe; e conspiraram alguns dos inimigos para tirar-lhe a vida quando saísse do local da reunião. Santos anjos, porém, estavam na multidão, e um deles, certa vez, sob a forma de homem, tomou o braço desse servo do Senhor e pô-lo a salvo da turba enfurecida. Sua obra ainda não estava terminada, e Satanás e seus emissários viram seus planos frustrados.
A despeito de toda a oposição, o interesse no movimento adventista continuou a aumentar. As congregações cresceram das dezenas e centenas para milhares. Grande aumento houve nas várias igrejas, mas depois de algum tempo se manifestou o espírito de oposição a esses conversos, e as igrejas começaram a tomar providências disciplinares contra os que tinham abraçado as opiniões de Miller. Este ato provocou uma resposta de sua pena, em escrito dirigido aos cristãos de todas as denominações, insistindo em que, se suas doutrinas eram falsas, se lhe mostrasse o erro pelas Escrituras.
"Que temos nós crido", disse ele, "que não nos tenha sido ordenado pela Palavra de Deus, a qual, vós mesmos o admitis, é a regra e a única regra de nossa fé e prática? Que temos nós feito que provocasse tão virulentas acusações contra nós, do púlpito e da imprensa, e vos desse motivo justo para excluir-nos [os adventistas] de vossas igrejas e comunhão?" "Se estamos errados, peço mostrar-nos em que consiste nosso erro. Mostrai-nos, pela Palavra de Deus, que estamos enganados. Temos sido bastante ridicularizados; isso nunca nos poderá convencer de que estamos em erro; a Palavra de Deus, unicamente, pode mudar nossas opiniões. Chegamos às nossas conclusões depois de refletir maduramente e muito orar, e ao vermos sua evidência nas Escrituras." - Bliss.
Século após século as advertências que Deus enviou ao mundo por Seus servos foram recebidas com igual incredulidade e descrença. Quando a iniquidade dos antediluvianos O moveu a trazer o dilúvio sobre a Terra, primeiramente Ele lhes fez saber Seu propósito, para que pudessem ter oportunidade de abandonar seus maus caminhos. Durante cento e vinte anos lhes soou aos ouvidos o aviso para que se arrependessem, não acontecesse manifestar-se a ira de Deus a fim de destruí-los. A mensagem parecia-lhes, porém, uma história ociosa, e nela não creram. Fazendo-se audaciosos em sua impiedade, caçoavam do mensageiro de Deus, recebiam frivolamente seus apelos e até o acusavam de presunção. Como ousa um homem levantar-se contra todos os grandes da Terra? Se a mensagem de Noé era verdadeira, por que todo o mundo não o viu e creu? A Palavra de um homem contra a sabedoria de milhares! Não queriam dar crédito ao aviso, nem buscar refúgio na arca.
Escarnecedores apontavam para as coisas da natureza - a sucessão invariável das estações, o céu azul que nunca havia derramado chuva, os campos verdejantes refrescados pelo brando orvalho da noite - e exclamavam: "Fala ele parábolas?" Desdenhosamente declaravam ser o pregador da justiça um rematado fanático; e continuavam mais avidamente na busca de prazeres, mais decididos em seus maus caminhos do que nunca dantes. Mas a incredulidade que alimentavam não impediu o acontecimento predito. Deus suportou por muito tempo sua iniquidade, dando-lhes ampla ocasião para o arrependimento; ao tempo designado, porém, os juízos do Senhor caíram sobre os que haviam rejeitado Sua misericórdia.
Cristo declara que existirá idêntica incredulidade no tocante à Sua segunda vinda. Como os contemporâneos de Noé não o conheceram, "até que veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também", nas palavras de nosso Salvador "a vinda do Filho do homem". Mat. 24:39. Quando o professo povo de Deus se estiver unindo com o mundo, vivendo como vivem os do mundo, e com eles gozando de prazeres proibidos; quando o luxo do mundo se tornar o luxo da igreja; quando os sinos para casamentos estiverem a tocar, e todos olharem para o futuro esperando muitos anos de prosperidade temporal, subitamente então, como dos céus fulgura o relâmpago, virá o fim de suas resplendentes visões e esperanças ilusórias.
Assim como Deus enviou Seu servo para advertir o mundo do dilúvio a vir, enviou também mensageiros escolhidos para tornar conhecida a proximidade do juízo final. E como os contemporâneos de Noé se riam com escárnio das predições do pregador da justiça, assim, no tempo de Miller, muitos, mesmo dentre o povo professo de Deus, zombavam das palavras de advertência.
E por que foram a doutrina e pregação da segunda vinda de Cristo tão mal recebidas pelas igrejas? Ao passo que para os ímpios o advento do Senhor traz miséria e desolação, para os justos está repleto de alegria e esperança. Esta grande verdade tem sido o consolo dos fiéis de Deus através de todos os séculos. Por que se tornou ela, como seu Autor, "uma pedra de tropeço e rocha de escândalo" a Seu povo professo? Foi nosso Senhor mesmo que prometeu a Seus discípulos: "Se Eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para Mim mesmo." João 14:3. Foi o compassivo Salvador que, antecipando-Se aos sentimentos de solidão e tristeza de Seus seguidores, incumbiu anjos de confortá-los com a certeza de que Ele viria outra vez, em pessoa, assim como fora para o Céu. Estando os discípulos a olhar atentamente para cima a fim de apanhar o último vislumbre dAquele a quem amavam, sua atenção foi despertada pelas palavras: "Varões galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no Céu, há de vir assim como para o Céu O vistes ir." Atos 1:11. Pela mensagem do anjo acendeu-se de novo a esperança. Os discípulos "tornaram com grande júbilo para Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a Deus". Luc. 24:52 e 53. Não se regozijavam porque Jesus deles Se houvesse separado, e tivessem sido deixados a lutar com as provações e tentações do mundo, mas por causa da certeza dada pelo anjo de que Ele viria outra vez.
A proclamação da vinda de Cristo deveria ser agora, como quando fora feita pelos anjos aos pastores de Belém, boas novas de grande alegria. Os que realmente amam ao Salvador saudarão com alegria o anúncio baseado na Palavra de Deus, de que Aquele em quem se centralizam as esperanças de vida eterna, vem outra vez, não para ser insultado, desprezado e rejeitado, como se deu no primeiro advento, mas com poder e glória, para remir Seu povo. Os que não amam o Salvador é que não desejam Sua vinda; e não poderá haver prova mais conclusiva de que as igrejas se afastaram de Deus do que a irritação e a animosidade despertada por esta mensagem enviada pelo Céu.
Os que aceitaram a doutrina do advento aperceberam-se da necessidade de arrependimento e humilhação perante Deus. Muitos haviam por longo tempo vacilado entre Cristo e o mundo; agora compreendiam que era tempo de assumir atitude decisiva. "As coisas da eternidade assumiam para eles uma desusada realidade. O Céu se lhes aproximava, e sentiam-se culpados perante Deus." - Bliss. Os cristãos despertaram para nova vida espiritual. Compenetraram-se de que o tempo era breve, de que o que tinham a fazer pelos seus semelhantes deveria fazer-se rapidamente. A Terra retrocedia, a eternidade parecia abrir-se perante eles, e a alma, com tudo que diz respeito à sua felicidade ou miséria eterna, sentia eclipsar-se todo o objetivo mundano. O Espírito de Deus repousava sobre eles conferindo poder aos fervorosos apelos que faziam a seus irmãos e aos pecadores, a fim de se prepararem para o dia de Deus. O testemunho silencioso de sua vida diária era constante reprovação aos membros das igrejas, seguidores de formalidades e destituídos de consagração. Estes não desejavam ser perturbados em sua procura de prazeres, seu desejo de ganho e ambição de honras mundanas. Daí a inimizade e a oposição suscitadas contra a fé no advento e contra os que a proclamavam.
Como se verificassem irrefutáveis os argumentos baseados nos períodos proféticos, os oponentes se esforçaram por desacoroçoar a investigação deste assunto, ensinando que as profecias estavam fechadas. Assim seguiram os protestantes nas pegadas dos romanistas. Enquanto a igreja papal privava da Bíblia o povo, as igrejas protestantes alegavam que uma parte importante da Palavra Sagrada - parte que apresentava verdades especialmente aplicáveis ao nosso tempo - não podia ser compreendida.
Pastores e povo declaravam que as profecias de Daniel e do Apocalipse eram mistérios incompreensíveis. Cristo, porém, chamou a atenção de Seus discípulos para as palavras do profeta Daniel, relativas aos acontecimentos a ocorrerem na época deles, e disse: "Quem lê, entenda." Mat. 24:15, Versão Brasileira. E a afirmação de que o Apocalipse é um mistério, que não pode ser compreendido, é contradita pelo próprio título do livro: "Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus Lhe deu para mostrar a Seus servos as coisas que brevemente devem acontecer. ... Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo." Apoc. 1:1-3.
Diz o profeta: "Bem-aventurado aquele que lê" - há os que não querem ler; a bênção não é para estes. "E os que ouvem" - há alguns, também, que se recusam a ouvir qualquer coisa relativa às profecias; a bênção não é para esta classe. "E guardam as coisas que nela estão escritas" - muitos se recusam a atender às advertências e instruções contidas no Apocalipse; nenhum desses pode pretender a bênção prometida. Todos os que ridicularizam os assuntos da profecia, zombando dos símbolos ali solenemente dados, todos os que se recusam a reformar a vida e preparar-se para a vinda do Filho do homem, não serão abençoados.
Em vista do testemunho da Inspiração, como ousam os homens ensinar que o Apocalipse é um mistério, fora do alcance da inteligência humana? É um mistério revelado, um livro aberto. O estudo do Apocalipse encaminha o espírito às profecias de Daniel, e ambos apresentam importantíssimas instruções, dadas por Deus ao homem, relativas a fatos a acontecerem no final da história deste mundo.
Foram reveladas a João cenas de profundo e palpitante interesse na experiência da igreja. Viu ele a posição, os perigos, os conflitos e o livramento final do povo de Deus. Ele regista as mensagens finais que devem amadurecer a seara da Terra, sejam os molhos para o celeiro celeste, ou os feixes para os fogos da destruição. Assuntos de vasta importância lhe foram desvendados, especialmente para a última igreja, a fim de que os que volvessem do erro para a verdade pudessem ser instruídos em relação aos perigos e conflitos que diante deles estariam. Ninguém necessita estar em trevas no que respeita àquilo que está para vir sobre a Terra.
Por que, pois, esta dilatada ignorância com respeito a uma parte importante das Sagradas Escrituras? Por que esta relutância geral em pesquisar-lhes os ensinos? É o resultado de um esforço estudado do príncipe das trevas para esconder dos homens o que revela os seus enganos. Por esta razão, Cristo, o Revelador, prevendo a luta que seria ferida contra o estudo do Apocalipse, pronunciou uma bênção sobre os que lessem, ouvissem e observassem as palavras da profecia.