18.1.10

GETSÉMANI


Em companhia dos discípulos, fez o Salvador vagarosamente o caminho para o jardim de Getsêmani. A Lua pascoal, clara e cheia, brilhava num céu sem nuvens. Silenciara a cidade de tendas de peregrinos.
Jesus estivera conversando animadamente com os discípulos, instruindo-os; mas ao aproximar-Se do Getsêmani, tornou-Se estranhamente mudo. Muitas vezes lá estivera, para meditar e orar; mas nunca com o coração tão cheio de tristeza como nessa noite de Sua última agonia. Durante Sua vida na Terra, andara à luz da presença de Deus. Quando em conflito com homens que eram inspirados pelo próprio espírito de Satanás, podia dizer: "Aquele que Me enviou está comigo; o Pai não Me tem deixado só, porque Eu faço sempre o que Lhe agrada." João 8:29. Agora, porém, parecia excluído da luz da mantenedora presença de Deus. Era então contado entre os transgressores. Devia suportar a culpa da humanidade caída. Sobre Aquele que não conheceu pecado, devia pesar a iniqüidade da raça caída. Tão terrível Lhe parece o pecado, tão grande o peso da culpa que deve levar sobre Si, que é tentado a temer que ele O separe para sempre do amor do Pai. Sentindo quão terrível é a ira de Deus contra a transgressão, exclama: "A Minha alma está profundamente triste até à morte." Mar. 14:34.
Ao aproximarem-se do jardim, os discípulos notaram a mudança que se operara em seu Mestre. Nunca dantes O tinham visto tão indizivelmente triste e silencioso. À medida que avançava, mais se aprofundava essa estranha tristeza; todavia, não ousavam interrogá-Lo quanto a causa da mesma. Seu corpo cambaleava como se estivesse prestes a cair. Ao chegar ao jardim, os discípulos, ansiosos, procuraram o lugar habitual do retiro do Mestre, para que Ele pudesse descansar. Cada passo que dava agora, fazia-o com extremo esforço. Gemia alto, como sob a opressão de terrível fardo. Por duas vezes os companheiros O sustiveram, do contrário teria tombado por terra.
Próximo à entrada do horto, Jesus deixou todos os discípulos, com exceção de três, pedindo-lhes que orassem por si mesmos e por Ele. Em companhia de Pedro, Tiago e João, penetrou nos mais retirados recessos do mesmo horto. Esses três discípulos eram os mais íntimos companheiros de Cristo. Contemplaram-Lhe a glória no monte da transfiguração; viram Moisés e Elias conversando com Ele; ouviram a voz do Céu; agora, em Sua grande luta, Cristo os desejava ter perto de Si. Muitas vezes passaram a noite ao Seu lado nesse retiro. Nessas ocasiões, depois de um período de vigília e oração, costumavam dormir imperturbados a pequena distância do Mestre, até que os despertava pela manhã, para irem novamente ao trabalho. Agora, porém, desejava que passassem a noite com Ele em oração. No entanto, não podia admitir que nem mesmo eles testemunhassem a agonia que devia suportar.
"Ficai aqui", disse-lhes, "e velai comigo." Mat. 26:38.
Foi a uma pequena distância deles - não tão afastado que O não pudessem ver e ouvir - e caiu prostrado por terra. Sentia que, pelo pecado, estava sendo separado do Pai. O abismo era tão largo, tão negro, tão profundo, que Seu espírito tremeu diante dele. Para escapar a essa agonia, não deve exercer Seu poder divino. Como homem, cumpre-Lhe sofrer as conseqüências do pecado do homem. Como homem, deve suportar a ira divina contra a transgressão.
Cristo Se achava então em atitude diversa daquela em que sempre estivera. Seus sofrimentos podem melhor ser descritos nas palavras do profeta: "Ó espada, ergue-te contra o Meu Pastor e contra o varão que é Meu companheiro, diz o Senhor dos Exércitos." Zac. 13:7. Como substituto e refém do pecador, estava Cristo sofrendo sob a justiça divina. Viu o que significa justiça. Até então, fora como um intercessor por outros; agora, ansiava alguém que por Ele intercedesse.
Ao sentir Cristo interrompida Sua unidade com o Pai, temia que, em Sua natureza humana, não fosse capaz de resistir ao vindouro conflito com os poderes das trevas. No deserto da tentação, estivera em jogo o destino da raça humana. Cristo saíra então vitorioso. Agora viera o tentador para a derradeira e tremenda
luta. Para isso se preparara ele durante os três anos de ministério de Cristo. Tudo estava em jogo para ele. Falhasse aqui, e estava perdida sua esperança de domínio; os reinos do mundo tornar-se-iam afinal possessão de Cristo; ele próprio seria derrotado e expulso. Mas se Cristo pudesse ser vencido, a Terra se tornaria para sempre o reino de Satanás, e a raça humana estaria perpetuamente em seu poder. Com os resultados do conflito perante Si, a alma de Cristo Se encheu de terror da separação de Deus. Satanás dizia-Lhe que, se Se tornasse o penhor de um mundo pecaminoso, seria eterna a separação. Ele Se identificaria com o reino de Satanás, e nunca mais seria um com Deus.
E que se lucraria com esse sacrifício? Quão desesperadas pareciam a culpa e a ingratidão humanas! Satanás apertava o Redentor, apresentando a situação justamente em seus piores aspectos: "A nação que pretende achar-se acima de todas as outras quanto às vantagens temporais e espirituais, rejeitou-Te. Procuram destruir-Te, a Ti, fundamento, centro e selo das promessas que lhes foram feitas como povo particular. Um de Teus próprios discípulos, que tem ouvido Tuas instruções e sido um dos de mais destaque nas atividades da igreja, trair-Te-á. Um de Teus mais zelosos seguidores Te há de negar. Todos Te abandonarão." Cristo repeliu esse pensamento com todo Seu ser. Que aqueles a quem empreendera salvar, aqueles a quem tanto amava, se unissem aos tramas de Satanás - isto Lhe traspassava a alma. Terrível era o conflito. Media-se pela culpa da nação, de Seus acusadores e traidor, pela culpa de um mundo imerso na impiedade. Os pecados dos homens pesavam duramente sobre Cristo, e esmagava-Lhe a alma o sentimento da ira divina.
Contemplai-O considerando o preço a ser pago pela alma humana. Em Sua agonia, apega-Se ao solo frio, como a impedir de ser levado para longe de Deus. O enregelante orvalho da noite cai-Lhe sobre o corpo curvado, mas não atenta para isso. De Seus pálidos lábios irrompe o amargo brado: "Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice." Mas mesmo então acrescenta: "Todavia não como Eu quero, mas como Tu queres." Mat. 26:39.
O coração humano anseia simpatia no sofrimento. Esse anseio, experimentou-o Cristo até ao mais profundo de Seu ser. Na suprema angústia de Sua alma, foi ter com os discípulos, com o aflitivo desejo de ouvir algumas palavras reconfortantes daqueles a quem tantas vezes concedera bênçãos e conforto, e protegera na dor e na aflição. Aquele que para eles tivera sempre expressões de simpatia, sofria agora sobre-humana dor, e almejava saber que estavam orando por Ele e por si mesmos. Quão negra se Lhe afigurava a malignidade do pecado! Terrível foi a tentação de deixar que a raça humana sofresse as conseqüências de sua própria culpa, e ficasse Ele inocente diante de Deus. Se tão-somente soubesse que os discípulos compreendiam e avaliavam isso, seria fortalecido. Erguendo-Se num doloroso esforço, dirigiu-Se cambaleante ao lugar onde deixara os companheiros. Mas "achou-os adormecidos". Mat. 26:40. Houvesse-os encontrado em oração, e ter-Se-ia sentido aliviado. Estivessem buscando refúgio em Deus, para que as forças satânicas não prevalecessem sobre eles, e Jesus Se teria sentido confortado por sua firme fé. Mas não deram ouvidos à repetida advertência: "Vigiai e orai." Mat. 26:41. A princípio ficaram perturbados ao ver o Mestre, de ordinário tão calmo e de tanta compostura, lutando com uma dor que estava além da compreensão. Tinham orado enquanto ouviram os grandes clamores do Sofredor. Não pretendiam abandonar seu Senhor, mas pareciam paralisados por um torpor que teriam sacudido de si, caso houvessem continuado a rogar a Deus. Não compreendiam a necessidade de vigilância e fervorosa súplica, a fim de resistir à tentação.
Mesmo antes de Se dirigir para o horto, Jesus dissera aos discípulos: "Todos vós esta noite vos escandalizareis em Mim." Haviam-Lhe assegurado firmemente que O acompanhariam à prisão e à morte. E o pobre, presunçoso Pedro acrescentara: "Ainda que todos se escandalizem em Ti, eu nunca me escandalizarei." Mar. 14:27 e 29. Mas os discípulos confiavam em si mesmos. Não olharam para o poderoso Ajudador, como Cristo os aconselhara a fazer. Assim, quando o Salvador Se encontrava em mais necessidade das simpatias e orações deles, foram achados dormindo. Mesmo Pedro dormia.

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